Dia Mundial do Cérebro

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O cérebro não sabe que hoje é o seu dia. Está demasiado ocupado a fazer com que saibamos que é terça-feira, que há trânsito na sequência das obras do Metrobus (Metro Mondego), que o pão de forma está a acabar e que nos esquecemos – outra vez – de responder àquela mensagem do Rui. É sempre assim com os que trabalham mais: ninguém repara neles até que alguma coisa falha.

A verdade é que o cérebro é mais sensível do que parece. É como aqueles amigos que aguentam tudo, estoicamente, até que um dia se desmancham por uma coisa pequena. Uma frase torta. Uma pancada na cabeça. Um coágulo minúsculo. Um tumor silencioso. E, de repente, já não andamos. Já não falamos como antes, ou falamos demais, ou vemos o mundo ao contrário, por dentro e por fora.

Há cérebros que nascem diferentes. Chamam-lhe “neurodiversidade”, que é uma bela palavra para dizer que há mentes que vivem noutro compasso – mais rápido, mais lento, mais caótico, mais luminoso. Autismo, dislexia… Nomes técnicos para o que, no fundo, é só uma maneira outra de ser. O problema nunca foi o cérebro. O problema é quando o mundo se recusa a acompanhar o seu ritmo. Quando se espera que pense como os outros, quando aquilo que ele precisa é de espaço, de tempo, de silêncio ou de barulho, consoante os dias.

E depois há os sustos. Os verdadeiramente grandes. Um traumatismo cranioencefálico. Um AVC. Uma malformação arteriovenosa que rompe de repente, como um balão que nem sabíamos que estava lá. Um tumor cerebral que não dói, mas vai apagando a luz aos poucos. Lesões que roubam palavras, movimentos, cheiros, memórias, personalidades inteiras. Como é que uma coisa tão mole, tão gelatinosa, com 1,3 kg de massa, consegue conter tudo o que somos? Um pedaço de matéria cinzenta que nos faz rir de piadas velhas, lembrar a voz da avó, apaixonar-nos, ter medo de falar em público, saber que a chave está no bolso de trás.

Hoje é o Dia Mundial do Cérebro. Não vai haver foguetes. Ninguém vai comer bolo. Mas talvez devêssemos olhar para dentro – não com espelhos, mas com perguntas. O que é que o meu cérebro me está a tentar dizer? Tenho cuidado dele? Dou-lhe descanso? E talvez mais importante ainda: será que olho com suficiente ternura para os cérebros dos outros? Os ansiosos, os feridos, os diferentes, os em luto, os em festa?

É que, se há coisa que o cérebro nos ensina – mesmo aos mais duros – é que a fragilidade é também uma forma de beleza. E que pensar, às vezes, é só matéria a sonhar que tem consciência.

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Psicólogo no CRPG-Delegação de Coimbra e de Hospitais Privados (Área Clínica / Neuropsicológica).

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