Platão, n´A República, começa com Sócrates não a discursar solenemente num templo ou nos corredores da academia, mas a aceitar um convite para ficar numa festa. E, quem diria, a filosofia começa numa festa, um lugar de celebração, e não numa austera sala de debates. Este detalhe aparentemente trivial, mas profundamente significativo, é uma mensagem importante que Platão nos deixa: a filosofia e, por extensão, a política, não devem ser apenas um campo de confronto, mas um espaço de convivência, de partilha e até mesmo de alegria.
Nesta época em que a política se tornou um campo de batalha entre lados opostos, parece uma piada dizer que a verdadeira política pode começar com uma festa. No entanto, Platão ensina-nos algo valioso: o verdadeiro espaço político não é o de um combate feroz, e sim o de uma reunião que, mesmo nas suas discordâncias, celebra a busca pela verdade e pelo bem comum. Platão não nos pede que fiquemos a lutar, mas que fiquemos juntos, como quem parte para uma festa de ideias, com a intenção de explorar, aprender e, ao fim e ao cabo, crescermos juntos.
A festa na casa de Polemarco, onde a filosofia começa, é primeiramente um espaço aberto, livre, onde a boa vontade e a amizade entre os participantes são a base de uma conversa genuína. Isso diz muito sobre o que Platão acredita ser a verdadeira essência da política: não uma disputa sem fim, mas uma troca dinâmica que respeita as diferenças e celebra a riqueza das ideias diversas. A política, portanto, não é sobre vencer o outro, mas sobre construir coletivamente, como numa festa, onde cada um tem o seu espaço para se expressar e todos têm um papel na construção da alegria coletiva.
É esse o espírito que falta na política atual. Em vez de abrir espaço para conversas, somos empurrados para um campo de guerra ideológica onde buscamos apenas esmagar o outro. Platão, pelo contrário, coloca a alegria da convivência no centro da política. A filosofia começa na festa porque é na celebração das diferenças que nasce a compreensão. Em vez de as repelir, Platão ensina-nos que a política começa quando ouvimos o outro, quando nos permitimos questionar as nossas próprias crenças com a mente aberta, como numa dança, onde há um passo a ser dado por cada um.
Sócrates, na sua busca incessante pela verdade, não responde à visão de Trasímaco, que vê a justiça como o interesse do mais forte, com hostilidade ou com um ataque ríspido. Ele não o faz com raiva, mas com curiosidade e respeito, sempre à procura de entender, sempre disposto a olhar a questão sob um novo ângulo. Eis o real espírito de uma política viva: a capacidade de ouvir, a disposição para questionar, e, ao fim e ao cabo, aprender com as diferenças.
A política é, sim, uma festa. Não uma festa de ignorância, mas uma celebração de ideias, um lugar onde o verdadeiro objetivo é construir em conjunto algo maior que cada um de nós. Platão já sabia que a política não se faz a partir de confronto, mas de convivência e respeito, com cada parte oferecendo o melhor de si para o bem comum. A política não deve ser um jogo de destruição do outro, mas uma colaboração.
Nos dias de hoje, em que o discurso político se tornou um campo de batalha polarizado, é preciso olhar para a política com o mesmo espírito que Platão nos oferece: alegria. Não para ignorar as questões graves que enfrentamos, mas para as enfrentar com o coração aberto e com a mente recetiva. A política não deve ser a guerra, mas sim a vontade inabalável de fazer um esforço coletivo por uma sociedade mais justa e harmoniosa.
Platão lembra-nos, através da metáfora da festa, que a política é uma celebração das ideias e das diferenças. Não é uma batalha de vencedores e derrotados, mas um momento de troca e de crescimento comum. Como numa festa, todos têm um papel a desempenhar — e só juntos podemos realmente contribuir para uma mudança.