De quem “foi” a noite eleitoral?

"O que a noite eleitoral mostrou não foi um país de más pessoas ou de idiotas. Foi um país onde a negligência foi de tal ordem que o discurso fácil tornou-se uma lufada de ar fresco ou uma boia para nos deixar à superfície de um mar de desilusão."

Tempo de leitura: 3 minutos

O espaço de debate democrático vive, ou deveria viver, do confronto de ideias diversificadas. Vive no espaço da diferença e da divergência, mas apenas e só dentro dos limites da tolerância e do respeito mútuo.

O que a noite eleitoral mostrou não foi um país de más pessoas ou de idiotas. Foi um país onde a negligência foi de tal ordem que o discurso fácil tornou-se uma lufada de ar fresco ou uma boia para nos deixar à superfície de um mar de desilusão.

A noite eleitoral mostrou que os portugueses querem mais do que ataques entre os líderes parlamentares, que não se esquecem assim tanto dos erros cometidos no passado e que desejam soluções. Ignorar isso foi o maior tiro no pé da própria democracia.

Os resultados que obtivemos não são uma vitória de partidos sobre outros, são um pedido de socorro. São uma forma de dizer que as pessoas vivem mal e que o seu governo não pode estar longe delas. Que foi preferível, precisamente por exaustão, reforçar o seu voto num primeiro-ministro que surge nestas eleições com credibilidade fragilizada, num partido que só se lembrou das questões sociais quando estava na oposição e que se voltou a esquecer delas ao longo da campanha. Que foi preferível dar força ao discurso de ódio porque, bem ou mal, pôs à prova a estrutura.

O espaço democrático tornou-se mais pobre e mais homogéneo, com uma diminuição escandalosa dos partidos mais à esquerda. Não só por uma apatia geral e descrença na eficácia das suas propostas, mas porque tem havido uma crescente batalha sobre si mesma na procura de um perfecionismo ideológico que nada mais é do que uma forma de afastar o eleitorado mais centrado e que, sinceramente, não tem tempo nem energia para ler e debater Foucault. Não digo isto por não ser importante o estudo, mas porque, para ele ter espaço nas nossas vidas, precisamos propor de forma clara e concisa o alívio da vida atribulada do cidadão comum.

A política tem de ser próxima aos cidadãos. Tem de ser construída e reconstruída com base nas verdadeiras necessidades das pessoas com vidas reais, e não uma forma de construção de carreira pessoal. Prova disso foi o JPP conseguir alcançar um mandato na assembleia. Os eleitores querem proximidade e representatividade a sério.

Está na hora de os agentes políticos, desde os partidos e as suas juventudes a todas as formas de organização coletiva, juntarem-se e sugerirem mudanças. Está na hora de as pessoas que querem participar ativamente neste tecido político saírem à rua, conversarem e passarem mais tempo junto dos seus semelhantes — não só em campanha eleitoral. Está na hora de a política deixar de ser o bicho-papão ou a empresa familiar. Está na hora de a política ser das pessoas para as pessoas.

Partilhe este artigo:

Mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Apaixonada por Políticas Públicas e práticas inclusivas e de proximidade. Nos tempos livres dedica a sua atenção à música e escrita.

Contraponha!

Discordou de algo neste artigo ou deseja acrescentar algo a esta opinião? Leia o nosso Estatuto Editorial e envie-nos o seu artigo de opinião.