A Fronteira Invisível entre a Parentalidade Positiva e a Permissividade

"O exemplo dos adultos tem um peso inestimável na educação das crianças. Não adianta exigir respeito e responsabilidade se os próprios pais não adotam essas atitudes no dia a dia."

Tempo de leitura: 6 minutos

Nos últimos anos, a parentalidade positiva tem conquistado um lugar central na educação das crianças e jovens. Defende-se uma abordagem baseada na empatia, no respeito mútuo e na valorização da criança como um ser íntegro e digno de escuta. No entanto, cada vez mais, surge uma dúvida inquietante: estaremos, inadvertidamente, a confundir parentalidade positiva com ausência de limites? Onde termina o respeito pela individualidade da criança e começa a permissividade desmedida?

O conceito de parentalidade positiva assenta na ideia de educar sem recorrer à punição severa, substituindo-a pelo diálogo, pela compreensão e pelo reforço positivo. Contudo, quando esta abordagem não é bem compreendida, corre-se o risco de se transformar num modelo em que as regras se tornam flexíveis ao ponto da ineficácia e em que o medo de frustrar a criança impede a imposição de limites essenciais. O resultado? Jovens que crescem sem tolerância à frustração, sem compreensão das consequências das suas ações e com dificuldades em lidar com a autoridade.

Vivemos numa era em que se tornou quase um dogma evitar o “não” e contornar qualquer situação que possa gerar desconforto ou insatisfação na criança. Mas será que um “não” dito com respeito e firmeza não faz parte do processo de aprendizagem? Estará a parentalidade positiva a ser mal interpretada e, em certos casos, mal aplicada?

Os desafios da parentalidade atual são imensos. A rapidez da informação, as exigências do quotidiano e a constante comparação com outros modelos parentais levam muitas famílias a sentirem-se perdidas, temendo que impor regras possa ser sinónimo de autoritarismo. No entanto, é justamente a presença de limites claros que dá às crianças a segurança emocional necessária para explorarem o mundo de forma saudável. Saber que há um adulto que cuida, protege e orienta não restringe a liberdade. Pelo contrário, cria a base sólida para que a criança desenvolva autonomia e responsabilidade.

Importa, por isso, refletir: até que ponto estamos a permitir que a ausência de regras se disfarce de parentalidade positiva? E como podemos equilibrar o afeto com a autoridade, garantindo que as crianças cresçam com ferramentas emocionais e sociais adequadas para enfrentar os desafios da vida? Talvez a resposta esteja em resgatar um conceito fundamental: a firmeza com empatia. Educar com respeito não significa ceder sempre. Amar incondicionalmente não significa dizer sim a tudo. E, acima de tudo, orientar uma criança não é retirá-la do caminho da frustração, mas ensiná-la a percorrê-lo com segurança.

A ciência do desenvolvimento infantil demonstra que as crianças precisam de estrutura para crescerem de forma equilibrada. Stoffel et al. (2024) destacam que a ausência de limites pode gerar insegurança e ansiedade nos mais pequenos, pois sem referências claras, torna-se difícil compreender o que se espera deles. Quando os adultos são inconsistentes nas suas orientações, a criança sente-se perdida, testando os limites repetidamente em busca de segurança. O papel dos pais não é apenas amar, mas também preparar os filhos para um mundo que, inevitavelmente, lhes imporá desafios e frustrações.

Talvez um dos maiores desafios seja encontrar o equilíbrio entre a escuta ativa e a necessidade de orientação. Por vezes, na ânsia de dar voz à criança, corre-se o risco de desvalorizar a importância da autoridade parental. O objetivo não deve ser uma relação de igualdade entre pais e filhos, mas sim uma relação de respeito mútuo, onde os adultos assumem o seu papel de guias, proporcionando um ambiente onde as regras fazem sentido e são aplicadas de forma coerente.

É fundamental que os pais percebam que dizer “não” não traumatiza a criança. Pelo contrário, é através da frustração que ela aprende a desenvolver resiliência e a capacidade de autorregulação. Um “não” firme, mas carinhoso, pode ser a base para um desenvolvimento emocional saudável. A disciplina positiva não significa ausência de regras, mas sim uma abordagem que ensina a criança a compreender as consequências das suas ações de forma respeitosa e construtiva.

Outro aspeto crucial é a necessidade de coerência. Não basta estabelecer regras; é essencial que estas sejam cumpridas e mantidas ao longo do tempo. Quando as crianças percebem que as normas podem ser quebradas sempre que choram ou demonstram resistência, aprendem rapidamente a manipular as situações a seu favor. Os limites devem ser claros, firmes e, acima de tudo, constantes, para que a criança entenda que há uma estrutura previsível e segura à sua volta.

Além disso, o exemplo dos adultos tem um peso inestimável na educação das crianças. Não adianta exigir respeito e responsabilidade se os próprios pais não adotam essas atitudes no dia a dia. A parentalidade positiva deve ser um reflexo de uma relação saudável e equilibrada, onde os pais são o modelo a seguir. O desenvolvimento da inteligência emocional nos pais é tão importante quanto no desenvolvimento das crianças. Saber gerir emoções, lidar com conflitos de forma assertiva e manter a paciência são competências fundamentais para exercer uma parentalidade equilibrada.

Em última análise, a questão que se coloca é: que tipo de adultos queremos deixar ao mundo? Se queremos jovens autónomos, resilientes e emocionalmente saudáveis, precisamos de investir numa parentalidade que combine afeto e autoridade, liberdade e responsabilidade. A parentalidade positiva não pode ser uma desculpa para evitar conflitos ou para suavizar todas as dificuldades da infância. Pelo contrário, deve ser uma abordagem que ensina, prepara e fortalece as crianças para que possam enfrentar a vida com maturidade e equilíbrio.

É tempo de refletirmos sobre a parentalidade que estamos a construir. Não para voltarmos ao passado, mas para garantirmos que o futuro das nossas crianças não será moldado por um presente sem referências claras. Afinal, educar não é apenas permitir; é também ensinar e orientar, garantindo que o amor e o respeito caminham lado a lado com responsabilidade e firmeza.


Referências:

Stoffel, H. T. R., Reinehr, L., Bastos, A. B., da Silva, A. L., Ramos, A. O., Dias, D. R. S., … & de Souza Lima, W. (2024). Educação Permissiva e Desempenho Escolar: Impactos no Comportamento e na Motivação dos Alunos para a Aprendizagem. Recima21 – Revista Científica Multidisciplinar – ISSN 2675-6218, 5(11), e5115932-e5115932.

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Sou psicóloga júnior num Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, com mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade Lusófona de Lisboa. Fiz parte da 1ª geração de estudantes embaixadores OPP. Gosto de observar, refletir e encontrar beleza nas coisas simples da vida.

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