Luís Montenegro: a ética, os negócios e a política do faz de conta

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Por muito que tente vestir o fato de primeiro-ministro, Luís Montenegro continua a mostrar que, por baixo, permanece o político de sempre: mais preocupado com as aparências do que com a substância. A imagem de rigor e transparência que o PSD tentou construir desde as eleições começa a desmoronar, sendo o caso da Spinumviva apenas o mais recente exemplo.

Foi noticiado que, alegadamente, uma gasolineira pertencente ao pai do atual candidato do PSD à Câmara Municipal de Braga celebrou contratos no valor de cerca de 200 mil euros com a Spinumviva, empresa da família de Luís Montenegro, um montante que representou quase metade da faturação anual da empresa em 2022. Coincidência ou não, o próprio candidato é casado com uma advogada contratada pela mesma empresa precisamente na altura em que Montenegro deixou a sua gestão. Uma empresa familiar contratou um familiar para prestar serviços à empresa de outro familiar. Com tanto entrelaçamento, o PSD de Braga parece mais empenhado em cultivar laços de sangue do que em apresentar um projeto político coerente.

Nada disto seria tão chocante se o PSD não tivesse passado meses a pregar ética com ar de superioridade moral. Luís Montenegro prometeu uma nova forma de fazer política, baseada na verdade e na integridade. Joaquim Miranda Sarmento foi mais longe, disse no Parlamento que o Governo socialista tinha caído por “nepotismo e ausência de ética republicana”. Ora, o que vemos agora é o mesmo PSD a tentar justificar um caso com todos os ingredientes que antes condenava nos outros: proximidades familiares, contratos chorudos e falta de transparência.

Convém recordar o que nos trouxe até aqui. O anterior Governo caiu porque António Costa, embora não estivesse acusado de nada, entendeu que a dignidade do cargo exigia a sua saída perante investigações em curso. O PS tinha maioria absoluta e deu sinais claros de responsabilidade. E foi nesse momento de fragilidade que o PSD agiu com pressa. Montenegro exigiu eleições antecipadas mal teve oportunidade, dizendo que o país não podia esperar. Agora que tem a hipótese de liderar, parece titubear diante das suas próprias contradições. Montenegro quis tanto eleições que agora parece não saber o que fazer com elas. É como um miúdo que pede um brinquedo caro e depois enjoa passado uma semana.

Entretanto, o PS, o mesmo partido que o PSD acusou de tudo, viabilizou o Programa de Governo e permitiu a aprovação do Orçamento de Estado. Absteve-se, não sabotou, não forçou crises. Foi o PSD, já no poder, que começou a criar o seu próprio clima de fragilidade, acumulando casos embaraçosos como o da Spinumviva. Montenegro, sentindo o terreno a tremer, viu-se até forçado a pedir uma moção de confiança parlamentar para reafirmar a sua legitimidade. Há meses, falava de estabilidade e autoridade. Hoje, já fala em instabilidade e desgaste.

Este é o problema de construir lideranças à base de discursos bonitos e princípios que só se aplicam aos outros. A ética não é um acessório para agitar na oposição e guardar na gaveta quando se chega ao Governo. A coerência, essa sim, é o que distingue os políticos que resistem ao poder daqueles que se perdem nele. Luís Montenegro prometeu fazer diferente. Mas, no primeiro teste sério, fez igual, ou pior, porque prometeu o contrário.

Quem vive pela ética, morre pela ética. E, neste momento, o PSD arrisca-se a ver o tiro sair-lhe pela culatra. Resta saber se Montenegro conseguirá resgatar a coerência ou se ficará, ele próprio, atolado nas contradições que ajudou a criar. A política precisa de confiança. E a confiança, como sabemos, não sobrevive a dois pesos e duas medidas.

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Sinto, a cada dia que passa, que me tornei num jovem que deixou os sonhos para se dedicar a causas. Não me conformo com injustiças, por essa razão, sou orgulhosamente de esquerda!

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