A Mocidade Portuguesa não mudou com os tempos. Também não mudaram os mecanismos de combate. Cá estamos, em 2025, perante casos cada vez mais degradantes no cerne da juventude do nosso país, com maior recorrência de ano para ano, mas sem verdadeiras consequências para os perpetuadores dos crimes. Vamos para o caso em concreto: na passada gala da Associação de Estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que supostamente representa a casta intelectual desta mesma área de estudos na região norte, deparamo-nos com um grupo condecorado por grunhice.
Várias raparigas foram fotografadas por debaixo das mesas e, consequentemente, por debaixo das saias, por colegas, repito, por colegas. E, como por costume deste tipo de homens sem nível, as imagens foram partilhadas em grupos privados de WhatsApp. Neste caso especificamente, membros atuais da AE, como o tesoureiro e o próprio presidente da associação, estavam no grupo, e a denúncia deste caso já trouxe à tona mais comportamentos predatórios, incluindo uma alegada violação no FEUP Caffé, perpetuada também por um membro da mesma AE.
Então o que é isto? Isto é a consequência da falta de valor que impera na cabeça de uma parte da população jovem masculina do nosso país. Na cabeça deles, o valor de um homem mede-se por imensas variáveis: a postura, o músculo, o carro, o investimento, o cabelo, a barba, o relógio, as sapatilhas, a hora do ginásio, o número de miúdas, a aura, os stories. A imagem. Tudo uma imagem, tudo uma ideia.
Digo-vos sem qualquer dúvida do que estou a dizer: são os seres mais inseguros que aí andam; são cópias uns dos outros porque o que é diferente é alvo. Existe uma mentalidade de alcateia que é fundamental para eles. Como não há uma ideia de personalidade individual, como não conseguem mais, como não são capazes para ligação humana, têm medo dela, têm medo da entrega porque sabem que não têm nada a dar. Mas quem é que leva com a consequência disto? As mulheres. As colegas de turma, as professoras, as que os rejeitam, as que têm uma opinião, as que estudam, as que querem ser mais, as que querem ver mais.
Isto da FEUP é só mais um caso. Grupos de Telegram de centenas de pessoas devidamente identificadas a partilhar fotos sem consentimento; comportamentos em discotecas, nas ruas, nas faculdades; é repetitivo; e aqui tem que se atribuir responsabilidades à justiça. A justiça portuguesa teima muito a se adaptar aos tempos e aos novos crimes. São centenas e centenas de criminosos à solta por não haver legislatura concreta. São casos e casos de mulheres humilhadas, sujeitas à partilha da sua privacidade por quem nada teme; porque haveriam de temer, no país do à vontade dos professores catedráticos, no país do à vontade do comentário, no país do à vontade legal?
O Estado de direito é o mecanismo-base de uma sociedade democrática, serve-nos, existe para nos proteger, e falha redondamente com as mulheres. Embora Portugal tenha leis que punem o assédio (ex: artigo 170.º do Código Penal para o assédio sexual, e outras formas incluídas no Código do Trabalho), a aplicação prática dessas leis nem sempre é eficaz. Há zonas cinzentas na interpretação dos atos, especialmente quando se trata de comportamentos subtis ou reiterados. Falha a olhos vistos, nós sabemos quem são, eu sei de homens que as pessoas sabem por facto que estão em grupos destes, e o que se faz? Qual é a consequência? Nenhuma, processos arquivados atrás de processos arquivados, seja por falta de provas, seja por medo das vitimas. Existe uma cultura criada por este tipo de matilha masculina que é tratada com leviandade pela justiça; é gravíssimo. Uma justiça que não serve os interesses de toda a sua população não está a cumprir o seu papel.
O que adianta a estas mulheres ir a uma estação da polícia se não para ouvir alguém que começa sempre por duvidar do seu papel de vítima. “Ele não quis dizer isso”. “Tens a certeza que foi com esse intuito?”. “Tens a certeza que não mandaste tu estas fotos para aqui?”. A justiça tornou inerente uma primeira humilhação da vítima para que a consequente certificação da acusação seja feita. Isso, por si só, é um atentado à justiça porque desmotiva o uso da mesma por parte da vítima.
Mas há uma coisa que ninguém me tira da cabeça. Há uma consequência que, na cabeça oca destes tipos, deve criar peso: não podem amar as suas mães, não podem, não podem olhar para uma mulher e ver uma igual, não têm essa capacidade porque não sabem quem são, não podem saber o que é amar uma mulher. A capacidade de amar genuinamente uma mulher é algo que escapa a estes homens, veem nelas mecanismos para a aceitação deles mesmos, veem no estar com uma mulher como uma recompensa deles mesmos. Para eles, a companhia de uma mulher é vista como uma recompensa pela imagem que transmitem, não pela sua pessoa, porque sabem que falham muito nesse campo; logo, na cabeça deles, inerentemente as mulheres são um instrumento deles mesmos.
Solucionar isto requer uma grande mudança no paradigma social português. A presença deste tipo de homens está entranhada no tecido empresarial português, nas faculdades, nas instituições. Atacar e punir severamente a raiz destes grupos de partilha é para ontem! Não é rocket science, há nomes e consequentes números de telemóvel, não é difícil, falta querer.
Qualquer homem a quem este tipo de casos seja indiferente também faz parte do problema. Imaginem as nossas mães, irmãs, filhas, num jantar de faculdade, imaginem miúdos debaixo das mesas a tirar fotos às suas partes intimas. Faz confusão, não faz? Faz muita.
Às miúdas da FEUP, dou força. Façam barulho, não deixem que se ouça mais nada! Aos miúdos que fizeram isto, que, nos seus 20 anos, acham isto aceitável, que tiveram a confiança dos seus (e das suas) colegas para os representarem como AE, vergonha eterna. Mesmo que a justiça falhe, já falharam à vossa mãe.