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Se eu recebesse um euro por cada pessoa que diz que o médico lhe recomendou não fazer qualquer tipo de exercício após descobrirem hérnias discais, tinha cinco vezes mais dinheiro por cada médico que aconselha fortalecimento ou fisioterapia. Com isto, não pretendo denegrir a classe médica, mas sim apontar que é preciso renovação e reter novas mentes que entendam que a área da saúde evolui rapidamente, e que têm de acompanhar os resultados de investigação.

Há uns meses, o SNS publicou no Instagram um ‘post’ vergonhoso sobre hérnias discais. Completamente asqueroso, na realidade, o nível de desinformação naquele ‘post’. Ouço cada vez mais a mesma narrativa “o médico disse que não podia fazer qualquer exercício por causa das hérnias”. Sem mais demoras, começo por dizer que as hérnias discais são maioritariamente hereditárias, não havendo relação das mesmas com a postura sentado, deitado, a dormir, a ver a novela ou a jogar ao berlinde (todas associações igualmente ridículas)1; é mais perigoso não fazer fortalecimento, do que fazer. Não há exercícios errados nem movimentos errados, sendo que a flexão dorsal não aumenta o risco de hérnia que, muitas das vezes, são assintomáticas2.

O tratamento de hérnias é feito quando sintomáticas, da mesma forma da lombalgia normal: a gestão é feita consoante aquilo que o paciente suporta (obviamente, com supervisão e planeamento de um fisioterapeuta, cuidado com isto). Muitas vezes, a hérnia é apenas o bode expiatório da dor: ela pode não ter relação com a dor, ou seja, pode existir e a dor ser de cariz muscular, não diretamente associada à hérnia em si3.

Não podemos, de forma alguma, evitar movimentos, porque quanto menos fazemos, menos força teremos para os fazer e, com isto, mais dor iremos sentir em situações em que temos de fazer determinado movimento4. A vida tem de ser vista da seguinte forma: se eu sinto dificuldade em colocar um saco numa prateleira alta, o meu corpo não consegue suportar aquela carga. Depois de olharmos para os níveis de cansaço, sono, nutrição e hidratação, percebo que tenho de fazer fortalecimento: primeiro, diminuir carga, para mais repetições de determinado movimento, recrutando determinada cadeia muscular, e ir evoluindo, até aquele saco ser fácil de colocar na prateleira. Quem diz um artigo pesado alto, diz apanhar um peso do chão: pode ser apanhado com as pernas ou com as costas dobradas, que não vai sair uma vértebra disparada como num desenho animado… são movimentos que devem ser trabalhados, primeiro com cargas baixas e mais repetições, evoluindo o peso, até o movimento ser confortável, de forma a que as nossas tarefas básicas de dia a dia se tornem fáceis5.

Pegando neste raciocínio, falamos das posturas: sendo a postura uma posição mantida, posições diferentes recrutam músculos diferentes. Portanto, uma postura mantida causa uma sobrecarga muscular, para a qual os músculos não estão fortes o suficiente, causando dor, não havendo uma posição melhor que outra! A solução para dores resultantes da postura é mudar de posição, interromper e fazer algum trabalho de mobilidade para aliviar as estruturas. Não há posições perfeitas, há posições adequadas para um objetivo: se eu quero trabalhar determinada parte da musculatura da coxa em agachamento, posso não passar os joelhos da linha dos pés, mas se eu quero trabalhar a amplitude completa, terei de passar porque de outra forma é impossível. Assim como se eu ficar com as costas direitas a trabalhar no computador durante longos períodos, tenho dor, tal qual se trabalhar corcunda.6

O trabalho de fortalecimento devia ser obrigatório, especialmente depois dos 30 anos, porque a partir daí a perda de massa muscular é bastante significativa, e ter pouca massa muscular afeta todo o organismo, inclusive a função cerebral7. Chamem-me revolucionária, mas acho que os ginásios fazem mais pela saúde pública do que muitos estabelecimentos socialmente estabelecidos como de saúde.


  1. Patel, A. A., Spiker, W. R., Daubs, M., Brodke, D., & Cannon-Albright, L. A. (2011). Evidence for an inherited predisposition to lumbar disc disease. The Journal of bone and joint surgery. American volume93(3), 225–229. https://doi.org/10.2106/JBJS.J.00276 ↩︎
  2. Battié, M. C., Videman, T., Kaprio, J., Gibbons, L. E., Gill, K., Manninen, H., Saarela, J., & Peltonen, L. (2009). The Twin Spine Study: contributions to a changing view of disc degeneration. The spine journal: official journal of the North American Spine Society9(1), 47–59. https://doi.org/10.1016/j.spinee.2008.11.011 ↩︎
  3. Chiu, C. C., Chuang, T. Y., Chang, K. H., Wu, C. H., Lin, P. W., & Hsu, W. Y. (2015). The probability of spontaneous regression of lumbar herniated disc: a systematic review. Clinical rehabilitation29(2), 184–195. https://doi.org/10.1177/0269215514540919 ↩︎
  4. Tagliaferri, S. D., Miller, C. T., Ford, J. J., Hahne, A. J., Main, L. C., Rantalainen, T., Connell, D. A., Simson, K. J., Owen, P. J., & Belavy, D. L. (2020). Randomized Trial of General Strength and Conditioning Versus Motor Control and Manual Therapy for Chronic Low Back Pain on Physical and Self-Report Outcomes. Journal of clinical medicine9(6), 1726. https://doi.org/10.3390/jcm9061726 ↩︎
  5. Steele, J., Bruce-Low, S., Smith, D., Osborne, N., & Thorkeldsen, A. (2015). Can specific loading through exercise impart healing or regeneration of the intervertebral disc?. The spine journal: official journal of the North American Spine Society15(10), 2117–2121. https://doi.org/10.1016/j.spinee.2014.08.446 ↩︎
  6. Swain, C. T. V., Pan, F., Owen, P. J., Schmidt, H., & Belavy, D. L. (2020). No consensus on causality of spine postures or physical exposure and low back pain: A systematic review of systematic reviews. Journal of biomechanics102, 109312. https://doi.org/10.1016/j.jbiomech.2019.08.006 ↩︎
  7. Maurer, E., Klinger, C., Lorbeer, R., Rathmann, W., Peters, A., Schlett, C. L., Nikolaou, K., Bamberg, F., Notohamiprodjo, M., & Walter, S. S. (2020). Long-term effect of physical inactivity on thoracic and lumbar disc degeneration-an MRI-based analysis of 385 individuals from the general population. The spine journal: official journal of the North American Spine Society20(9), 1386–1396. https://doi.org/10.1016/j.spinee.2020.04.016 ↩︎

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