Tempo de leitura: 5 minutos

O comportamento humano é vasto e complexo, refletindo uma vasta gama de motivações, desejos e impulsos. Entre essas motivações, algumas são mais difíceis de entender, especialmente quando observamos fenómenos como o turismo de guerra, um fenómeno crescente que atrai viajantes para locais devastados por conflitos armados. A Ucrânia, um país que atravessa uma guerra devastadora desde 2022, tornou-se um destino cada vez mais procurado por turistas procurando emoções extremas e experiências radicais.1 Li há dias a história de Alberto Blasco Ventas, um engenheiro espanhol que escolheu a Ucrânia como seu destino de férias, é um exemplo claro dessa tendência perturbadora.

O comportamento humano está intimamente ligado à necessidade de explorar e entender o desconhecido. Em muitas culturas, o desconhecido é acompanhado por uma mistura de medo e fascínio. O medo é um mecanismo de defesa, uma forma de manter o ser humano afastado do perigo, mas também é uma emoção que, de alguma maneira, nos atrai. O conceito de turismo sombrio, que inclui visitas a locais de tragédias, campos de batalha e cenários de desastres, tem raízes nessa necessidade de compreender o sofrimento humano de uma maneira visceral e direta. No caso de Blasco, a busca por uma experiência emocionante e diferente levou-o a uma zona de guerra, um ambiente onde a vida humana é constantemente ameaçada.

Essa busca por emoções extremas pode ser analisada sob a ótica da psicologia do comportamento. De acordo com a teoria da busca de sensações, desenvolvida por Marvin Zuckerman, algumas pessoas têm uma necessidade inata de vivenciar situações de alto risco e alta intensidade. Estes indivíduos procuram emoções fortes como uma forma de suprir uma carência emocional ou psicológica. Blasco, ao relatar o seu medo e ao mesmo tempo a excitação pela experiência de estar numa zona de guerra, reflete um comportamento típico de quem procura uma gratificação imediata através da exposição a situações de perigo.

Outro aspecto relevante neste tipo de turismo é o voyeurismo psicológico, ou a atração pelo sofrimento alheio. A palavra voyeurismo é geralmente associada a um comportamento sexual, mas no contexto psicológico, ela pode ser estendida à atração pela dor e sofrimento de outros.2 A presença de turistas em locais de guerra, a observação de paisagens destruídas e o registo de momentos de violência não são apenas manifestações de curiosidade mórbida, mas também uma tentativa de se aproximar do sofrimento sem ser diretamente afetado por ele. É um comportamento voyeurista onde os turistas assumem uma posição de observadores distantes, consumindo imagens de sofrimento sem a experiência direta das consequências desse sofrimento.

O caso de Blasco3, que grava cada passo de sua viagem e pretende compartilhar essas imagens com seus seguidores no YouTube, pode ser visto como uma forma de capitalizar essa atração por emoções extremas e sofrimento alheio. A busca por likes e visualizações em plataformas digitais amplifica o comportamento voyeurista, tornando-o mais visível e, em certa medida, socialmente aceite. O turista torna-se não apenas num observador, mas também num participante ativo na criação de uma narrativa pública em torno da tragédia.

É importante considerar que esse tipo de turismo não se limita à busca por conhecimento histórico ou por uma experiência educativa. Curiosa também a jornada de Nick Tan4, um americano que viajou para áreas perigosas da Ucrânia procurando emoções mais intensas, é um exemplo de um comportamento psicológico mais profundo. Tan, descrito como um “caçador de emoções”, busca ultrapassar os limites do que é considerado normal ou seguro. O paraquedismo e o boxe já não são suficientes para si, e o próximo passo é aproximar-se de uma linha da frente numa zona de guerra. Este comportamento pode ser explicado pela teoria da excitação, onde o indivíduo busca experiências para maximizar a excitação emocional. A guerra, com seus riscos e incertezas, representa uma forma extrema de excitação, que não pode ser obtida em atividades quotidianas ou recreativas.

O jornalismo também desempenha um papel fundamental na construção desse desejo por experiências extremas. O ato de Blasco gravar as suas viagens e compartilhá-las com seu público no YouTube é um reflexo do impacto que as narrativas mediáticas têm sobre a perceção do público. Ao tornar-se um influencer, Blasco está, em certa medida, a oferecer aos seus seguidores uma janela para o sofrimento, uma forma de vivenciar a tragédia à distância. Isso levanta questões éticas sobre a exploração da dor alheia para ganho pessoal, mas também sobre a forma como  a comunicação social pode distorcer a perceção do público sobre a gravidade de uma guerra, transformando-a num espetáculo.

Em última análise, o turismo de guerra é uma manifestação complexa do comportamento humano, que mistura a busca por emoções extremas, o voyeurismo psicológico e o desejo de transcendência. Os turistas que escolhem a Ucrânia como destino de férias não estão apenas a procurar entender os efeitos de um conflito, mas também explorando os limites de suas próprias emoções e confortos. A guerra, com sua intensidade e imprevisibilidade, oferece uma forma única de excitação, mas também expõe as contradições do comportamento humano – um desejo de se aproximar do sofrimento, sem se tornar verdadeiramente vulnerável a ele. Este fenómeno não é apenas uma curiosidade mórbida, mas uma reflexão sobre o que significa ser humano num mundo cada vez mais conectado, mas igualmente insensível, distante da dor e do sofrimento alheio.

Partilha este artigo:

  1. https://visitukraine.today/blog/4465/ukraines-tourism-industry-is-breaking-records-in-the-middle-of-the-war-how-much-tax-has-been-paid-to-the-budget#tour-operators-are-developing-domestic-tourism ↩︎
  2. https://repositorio.alfaunipac.com.br/publicacoes/2021/588_entre_o_exibicionismo_e_voyeurismo_na_era_digital_a_necessidade_de_ver.pdf ↩︎
  3. https://www.france24.com/en/live-news/20241127-ukraine-sees-influx-of-western-war-tourists ↩︎
  4. https://www.france24.com/en/live-news/20241127-ukraine-sees-influx-of-western-war-tourists ↩︎

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.