Mais de 80 anos depois da assinatura do Pacto de Munique, a Europa pode voltar a ceder aos caprichos de um ditador e repetir erros de um passado recente. Em 1938, Hitler e o regime nazi argumentavam, perante as potências europeias, ser necessário proteger os alemães étnicos que viviam na região dos Sudetas e que eram constantemente discriminados e oprimidos pela Checoslováquia, como causa para anexar essa porção de território e unir todos os alemães sob o mesmo Estado.
Façamos agora o exercício de trocar Hitler e o regime nazi por Putin e a Federação Russa e, então, substituir a Checoslováquia pela Ucrânia. Simplificando as coisas, estas não poderiam ser mais idênticas.
É importante compreender que a História não se repete; isto é algo que deve ficar claro. Os erros humanos é que são constantes e persistentes, e tendemos, enquanto espécie, a não aprender com o passado, mas, antes, ignorá-lo e esperar um resultado diferente de ações idênticas. No fundo, “o homem é o lobo do homem”, não só porque se canibaliza constantemente, mas igualmente pela procura persistente de conflito e violência, usando todo e qualquer argumento para servir aos seus verdadeiros anseios de expansão e conquista.
A questão que agora devemos colocar é se, ao contrário de 1938, os líderes atuais de uma Europa enfraquecida e cada vez mais isolada vão saber (des)respeitar a memória de um negro passado e afugentar os fantasmas de líderes como Chamberlain e Daladier. Ambos, em Munique, escreveram uma das mais tristes páginas do século XX, ao ceder às vontades de Hitler e ignorar o que estava aos olhos de todos: que o conflito seria inevitável e que não se negocia com tiranos.
Se é importante aprender com os exemplos de bons líderes, é ainda mais pertinente estudar e evitar os erros dos mais fracos. Numa altura em que surgem rumores de tentativas para se chegar a um acordo entre a Ucrânia (com o apoio do Ocidente) e a Rússia já em 2025, será mais importante do que nunca não cair nos erros de Chamberlain e Daladier, que acreditavam que, após ceder aos desejos territoriais de um ditador, a Europa atingiria finalmente a paz.
Está aos olhos de todos que a Rússia não parará, afinal, e, desde 2014, tem absorvido ou desestabilizado várias parcelas do território ucraniano, sempre sob a bandeira da necessidade de proteção dos povos de origem étnica e falantes de língua russa. Utilizando argumentos retirados das páginas da História e traçando um completo paralelo com o que aconteceu nos anos 30 do século passado, podem acabar com o mesmo fim: um país desmembrado e as portas abertas para o verdadeiro sonho de Putin: a invasão de mais estados e o ressurgir da velha União Soviética.
Infelizmente, a Europa é hoje um sonho triste e apagado – longe dos tempos de figuras carismáticas como Churchill e Charles de Gaulle –, com uma União Europeia enfraquecida e que teima em agarrar as rédeas do seu destino. Numa altura em que, internacionalmente, os Estados Unidos podem deixar de apoiar a Ucrânia como até aqui, deixando igualmente a NATO numa situação frágil, caberia aos líderes europeus levantarem a cabeça e aceitarem ser o escudo da Ucrânia contra o invasor, criando para isso uma forte indústria bélica no continente europeu, além de mecanismos de cooperação económica e de defesa mais dinâmicos e modernos.
O sonho europeu não pode ser esquecido e deve ser refundado se necessário. Por muitos problemas que tenhamos internamente nos vários países europeus, apenas com trabalho e cooperação entre os diversos povos podemos desenvolver um continente mais moderno, seguro e dinâmico. É altura de rasgar com o passado e provar que ainda existem líderes fortes de nova geração na Europa. Não podemos dar-nos ao luxo de abandonar Zelensky (ele próprio era visto como um líder improvável) e ceder aos caprichos de ditadores e lunáticos.
O futuro da Ucrânia e da Europa está nas nossas mãos; devemos fazer de tudo para não o deixar escapar. O tempo para ter medo terminou. Por cada dia em que a Europa se mantém parada, os inimigos da democracia ganham mais força. Churchill era um líder carregado de falhas, mas foi dos poucos que cedo entendeu a realidade do problema e percebeu que não se cede a ditadores.
Não sei se a Europa necessita de uma figura polarizadora como Churchill, mas, certamente, não precisamos de um Neville Chamberlain, ou de um Édouard Daladier. Os erros como o de 1938 não devem ser repetidos, e devemos pensar a longo prazo nas potenciais consequências dos mesmos. Afinal, uma paz breve é exatamente isso: breve.
Pintura de capa por Gustave Courbet
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