Chegou o Natal… a mágica altura do ano em que os lares portugueses são iluminados, as principais cidades palcos de animações de rua e espetáculos, e claro a famosa corrida às compras, em busca do presente ideal para aquela pessoa especial.
A quadra natalícia é tradicionalmente associada a tempos de enorme felicidade, carinho e união, mas nem sempre tal realidade se espelha em todas as famílias portuguesas. Na verdade, é muito comum que uma época tão mágica como o Natal possa intensificar sentimentos mais negativos como a tristeza, frustração, ansiedade ou solidão.
Em estudos recentes foi possível verificar que a percentagem de pessoas que vivenciam experiências de stress e cansaço nesta altura do ano ultrapassa os 60%. Contraditório? Talvez não. Os últimos dias do ano podem reacender muitas memórias acerca de pessoas que perdemos, ou de momentos importantes na nossa vida, e havendo cada vez mais uma pressão sociocultural para demonstrar apenas o que de bom tem a vida, tal tensão apenas contribui para um aumento da tristeza e ansiedade.
Hoje em dia, as pessoas escolhem dois caminhos: ou julgam os outros por sentirem/exteriorizarem emoções negativas, ou tentam afastá-las muito perentoriamente, o que nos faz questionar até que ponto este mecanismo faz sentido. Será que o afastamento e a repressão dos sentimentos menos positivos nos beneficia? Se pensarmos com rigor acerca deste tema, constatamos que pensamentos como “não queria nada estar ansioso/a com o evento que vou ter amanhã” ou “só quero que este sentimento desapareça”, levam-nos a assumir que se poderia tratar de pessoas que já não estão entre os comuns mortais, e como tal, não têm a capacidade de sentir.
Se estamos vivos, é normal sentirmos uma montanha-russa de emoções ao longo do nosso percurso de vida, e essa temática é muito complexa e pouco ou nada linear. Devemos normalizar a capacidade de sentir emoções positivas, mas também as menos positivas, e sobretudo valorizá-las, de modo a entender o que levou ao seu aparecimento.
Desde a decoração de Natal nas varandas e montras, que faz brilhar os olhos de quem as admira, até ao processo de decisão sobre quais prendas dar aos miúdos e graúdos, tudo isto são fatores que provocam grande instabilidade emocional, sem as pessoas terem essa perceção. Outro processo que considero importante assinalar, e que incrementa os níveis de stress nos portugueses e na população em geral, é a reflexão. A reflexão acerca do ano que passou e o balanço das conquistas e fracassos alcançados refletem-se numa incerteza acerca do futuro, sendo este mais um motivo de instabilidade emocional.
Numa altura em que todos os nossos comportamentos são observados minuciosamente, e em que somos julgados/as e julgamos com uma grande facilidade, é importante reconhecermos e aceitarmos que as variações de humor são normais em todos nós.
Assim como existe a alegria de abrir os presentes e de reunir a família para partilhar gargalhadas e conversas que se mantiveram suspensas durante o ano, também se pode intensificar a dor e o sofrimento, especialmente pela falta daqueles que já não se podem fazer presentes, e deixam um lugar vazio na mesa. O processo de luto torna-se insuportável nesta época do ano porque para onde quer que olhemos vemos amor e união, sentimentos que as perdas vêm retirar por completo a estas famílias.
Há também uma população vulnerável que apenas se vê acarinhada no Natal: os sem-abrigo. Não deixa de ser contraditório que estas pessoas estejam em condições sub-humanas durante um ano inteiro e que só na quadra natalícia vejam alguns dos seus pedidos atendidos, como o fornecimento de mantas para combater o frio que se faz sentir, ou produtos de higiene para lhes dar alguma dignidade à sua aparência. Quem é sem-abrigo não deixa de o ser nos restantes meses do ano. Não se tratam de personagens criadas para desempenhar um papel de vulnerabilidade apenas no mês de dezembro, uma vez que essa fragilidade os acompanha nos outros 11 meses do ano.
Desta forma, é fundamental que sejam implementadas não apenas medidas de apoio socioeconómico a esta população mais desprotegida, mas também de natureza psicológica, porque não deixam de ser pessoas que abandonaram ou foram abandonadas pelas respetivas famílias, que não têm um porto seguro a quem recorrer, e que estão emocionalmente desgastadas.
Mais do que nunca, a saúde mental tem de ser abordada, particularmente nestas épocas festivas caracterizadas por grande instabilidade emocional e, sobretudo, afastando o estigma de pedir ajuda psicológica. A perceção de que necessitamos deste tipo de ajuda, e efetivamente procurá-la, é um ato de heroísmo.
Em suma, fica aqui a principal mensagem que deve ser interiorizada: faça-se presente, pratique o bem o ano inteiro e, acima de tudo, contribua para um bom Natal, distanciando-se de emoções mais negativas como a ansiedade e o stress que esta época pode acarretar, tomando decisões conscientes, e relembrando aqueles que já cá não estão com um carinho incondicional.
Os meus votos de um feliz Natal para todos os leitores e uma excelente entrada no novo ano 2025.
Pintura de capa por Albert Chevallier Tayler
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