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A recente entrada da empresa Digi no nosso mercado de serviços de telecomunicações veio abanar um pouco as fundações daquilo que pensávamos possível. De repente, já é possível celebrar contratos de comunicações livres de 2 anos de fidelização; dos preços, à variedade de ofertas, a empresa traz novidade, frescura e, sobretudo, competitividade.

À data de escrita deste artigo, é difícil prever o futuro, que espero mesmo que seja risonho para a marca e, acima de tudo, para os consumidores, mas fiquei a pensar nuns quantos aspetos deste setor. Aliás, aspetos estes que já me incomodam há algum tempo, dado que acompanho este setor desde que me lembro de ser gente, por ser eu a tratar dos serviços de ‘internet’ lá em casa, e, consequentemente, eu a decidir quem nos vendia o “peixe”.

Correndo o risco de imprecisões com as datas, há cerca de 10 anos lembro-me de me aperceber duma transição nos serviços oferecidos pelas marcas: começavam a ser muito semelhantes, bem como os preços. No entanto, antes disso, havia alguma variabilidade. O serviço da operadora X até podia ser mais caro, mas as pessoas falavam melhor do seu atendimento ao cliente. O da operadora Y era bem mais barato, mas falhava frequentemente. Estes eram apenas alguns dos inúmeros ‘feedbacks’ que me lembro de considerar, aquando da escolha do operador seguinte. Sapo, NOS (antigamente, ZON), MEO (que há 1 ou 2 anos era TMN), Vodafone e Cabovisão eram as opções disponíveis.

Com o passar dos anos, as ofertas foram reduzindo, e os preços também. Incomodava-me, pois deixava de ter contrapartidas; não tinha mais como julgar qual o melhor para a minha situação, já que eram todos “iguais”. Não podia salvaguardar-me nem me sujeitar a um melhor ou pior serviço conforme ‘feedback’, pois ofereciam todos os mesmos preços e os mesmos serviços sem, aparentemente, nenhuma contrapartida. Porém, era aqui que estava o busílis da questão. Havia uma contrapartida, mas agora não era declarada e evidente. Empresa X ou Y continuavam a ser, de facto, piores em determinados aspetos, fosse atendimento ao cliente, fosse cobertura, fossem as falhas na conexão, mas numa aparente jogada de má-fé (sublinho imenso a palavra “aparente”), parecia que por obra e graça do espírito santo, praticavam agora todas as mesmas políticas, e, pior que tudo, os mesmos preços.

Isto traz-nos ao tema que quero debater: a competitividade. Quando penso em competitividade, penso na diferença de preços entre as várias gasolineiras, entre os vários produtos no supermercado, entre as várias marcas de carros. Oferecem serviços e produtos semelhantes, mas com pequenas diferenças entre si que se refletem no preço. Os riscos, custos operacionais, custos com pessoal, custos dos ganhos, gastos em pesquisa e desenvolvimento, etc., são diferentes entre as várias áreas e serviços, o que se reflete no preço final. É normal que o preço praticado em determinado setor (combustível, por exemplo) seja diferente, quando toda a cadeia de produção/venda tem diferenças entre si. Entre as diferenças entre custos de transporte do combustível, quotas de mercado, procura (certamente que em S. João da Pesqueira o tipo de consumo de combustível é radicalmente diferente do consumo em Oeiras), etc., é inerentemente impossível fixar os preços. Mesmo que por cêntimos, o preço final tem de ser diferente, pois os processos são distintos entre as várias marcas e produtos.

Contudo, isto não parece refletir-se no mercado das telecomunicações. Estranho… Apesar de uma boa parte da infraestrutura ser da Altice/MEO1, e haver investimentos conjuntos da NOS/Vodafone2, os preços praticados são religiosamente iguais do início ao fim da tabela? Onde é que eu já vi isto? Será isto um conluio? Ou uma palavra começada em “C” e terminada em “-el”3? A verdade é que não faltam exemplos, mas cheira-me mal, e não gosto disso. Felizmente temos a lei n.º 17/2022 de 17 de agosto que nos protege dessas eventualidades4.

Convém também ser justo aqui com a NOWO. Pratica preços diferentes, e o serviço apresenta diferenciação, embora a sua quota de mercado seja negligenciável (2.2%) comparada com as das restantes operadoras5.

Tudo isto se torna ainda mais gritante quando temos CEOs a vir queixar-se do nosso pequeno mercado que, já agora, continua a crescer, segundo a ANACOM, e não consegue comportar mais concorrência6, enquanto outros tentam reduzi-lo ainda mais7.

Ao final do dia, ganhamos todos com esta novidade: as empresas existentes já têm as suas provas dadas, e manterão certamente uma boa percentagem dos clientes satisfeitos. No máximo, têm de baixar preços caso comecem a perder demasiada quota de mercado, o que é positivo para os consumidores. Os possíveis interessados no novo serviço vão experimentar e ver se se sentem satisfeitos. Mesmo que o serviço seja mau, as pessoas têm leis que as protegem e que lhes permite rescindir contratos caso as condições dos mesmos não sejam cumpridas e, além disso, as fidelizações apresentadas pela Digi são minúsculas.

Enfim, tudo isto para dizer: competitividade é ótima para nós, consumidores. Dá-nos liberdade de escolha e de opção. Todos saímos beneficiados e, felizmente, a ANACOM, até ver, continua a ser uma instituição neutra, que tem o bem dos consumidores como prioridade. É bom darmos boas condições a empresas para começarem a operar no nosso país (seria ótimo que essas empresas fossem nacionais, mas na falta de melhor, contentamo-nos com o que vem de fora), mas é ainda mais importante que essas empresas se mantenham idóneas, e não apenas com os seus interesses nos resultados financeiros. Por mais novidades em diferentes setores que nos beneficiem a todos enquanto consumidores.


  1. Rocha, C. (2023, 03 de maio). Anacom obriga Altice a partilhar acesso à rede de fibra ótica em 612 freguesias. Observador. https://observador.pt/2023/05/03/anacom-obriga-altice-a-partilhar-acesso-a-rede-de-fibra-otica-em-612-freguesias/ ↩︎
  2. Pinto, P. (2024, 16 de janeiro). Vodafone e NOS juntas para partilhar fibra ótica no país. pplware. https://pplware.sapo.pt/internet/vodafone-e-nos-juntas-para-partilhar-fibra-otica-no-pais/ ↩︎
  3. Bacelar, R. (2020, 03 de dezembro). MEO recebe coima de 84 milhões de euros por cartel com a NOWO. 4gnews. https://4gnews.pt/meo-recebe-coima-de-84-milhoes-de-euros-por-cartel-com-a-nowo/ ↩︎
  4. Assembleia da República. (2022). “Lei n.º 17/2022”. Diário da República 1.ª série, 158 (agosto): 2-116. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/17-2022-187538042 ↩︎
  5. ANACOM. (2024, 23 de agosto). Ofertas 4/5P são as mais utilizadas no segmento residencial. https://anacom.pt/render.jsp?contentId=1792695 ↩︎
  6. Nunes, F. (2023, 16 de maio). Nova operadora Digi empurra lançamento em Portugal para 2024. Eco. https://eco.sapo.pt/2023/05/16/nova-operadora-digi-empurra-lancamento-em-portugal-para-2024/ ↩︎
  7. Machado, A. (2024, 04 de julho). Decisão final. Vodafone impedida de comprar a Nowo pela Autoridade da Concorrência. Observador. https://observador.pt/2024/07/04/decisao-final-vodafone-impedida-de-comprar-a-nowo-pela-autoridade-da-concorrencia/ ↩︎

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