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Como qualquer aforismo, assim que é repetido múltiplas vezes, perde algum do seu intrínseco significado. No entanto, a meu ver, não me parece despropositada a escolha do apelido Mensana (como junção de mens com sana) para nomear uma personagem que luta, diariamente, embora de modo hesitante, contra as partidas que a mente lhe procura pregar.

Refiro-me a Michael Mensana, uma peça central no jogo de xadrez que é o filme First Reformed (2017), escrito e realizado por Paul Schrader, que é também autor do argumento de Taxi Driver (1976), este último realizado por Scorsese. Mensana é um ativista climático que sofre tão intensamente, isto é, na mesma proporção como considera que o mundo padece do mal que lhe provocamos, perdendo totalmente a capacidade de encontrar esperança.

O reverendo Toller, cuja principal função é zelar por uma pequena igreja, hoje convertida numa atamancada loja de lembranças, procura convencê-lo de que “a sabedoria consiste em manter duas verdades contraditórias na nossa mente, simultaneamente: esperança e desespero. Uma vida sem desespero é uma vida sem esperança. Manter estas duas ideias na nossa cabeça é a própria vida, em si.” Nesta afirmação não existe nada de errado, mas é a partir daqui que pode surgir uma dor cuja dimensão é de tal ordem que se torna impraticável continuar. Sobretudo quando aquilo que está em jogo é trazer uma nova vida à vida que já conhecemos: um filho.

Apesar de acreditar que possa acontecer virtualmente com qualquer preocupação, não é difícil de imaginar o medo, a hesitação e o receio que pode constituir trazer ao mundo uma nova vida, ainda para mais num planeta em desintegração vertiginosa e desmantelamento violento. Associadamente à felicidade e realização de se ser pai ou mãe, o ponto não é esse.

 “Irá Deus perdoar-nos por aquilo que fizemos à sua criação?”. Como ateu que me considero, não penso que seja relevante a dimensão da proximidade a Deus, mas sim a desconexão face àquilo que nos mantém motivados e esperançosos. Toller, ele próprio, alguém que vê morrer um filho na guerra do Iraque depois de o ter encorajado a ir, ficando também, em consequência disso, sem o seu casamento, começa a sentir que lhe escorre por entre os dedos aquilo que o mantinha motivado e esperançoso: a fé.

Existem analogias múltiplas face a Travis Bickle, protagonista de Taxi Driver (1976), daí a importância de o referir no início desta reflexão. São muitos os paralelismos entre Toller e Travis Bickle. Os dois lutam contra uma agoniante solidão e mantêm diários manuscritos, que se ouvem em voz off. Ambos ficam obcecados com a degradação do mundo que os rodeia. Bickle com a corrupção e decadência moral da cidade de Nova Iorque, Toller com a poluição e destruição da natureza. As obsessões de ambos conduzem-nos a planear ações violentas. E chegámos ao segundo ponto que procuro vincar. Toller, apesar da inicial fé e pretensão de lhe dedicar a sua vida, como toda a gente que acha que Deus não nos perdoa, orquestra uma purificação através da violência. Quer tirar os pecados do mundo, tirando do mundo os pecadores. E já que assim é, começará por si mesmo.

Qualquer semelhança com movimentos religiosos intolerantes seria mera e singela coincidência.

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