Desde abril que trabalho como psicóloga júnior numa residência sénior e, como tal, acompanho diariamente idosos institucionalizados. Estes residentes são extremamente heterogéneos: há idosos com demências em fases já bastante avançadas, outros com as funções cognitivas preservadas, mas já com bastantes limitações do ponto de vista físico, e há também aqueles que batalham com problemas emocionais. Existe ainda uma outra população: os idosos que estão acamados, que são totalmente dependentes e afásicos. Dentro deste contexto, o tema da morte é uma constante.
Há idosos que me dizem, umas vezes com lágrimas de desespero no rosto, outras com um sorriso tranquilo, que pedem a Deus para serem levados durante o sono e que a sua maior alegria e felicidade seria não acordar no dia seguinte. Admito que fico muitas vezes sem saber o que responder. Parte de mim sente que deveria tentar convencer a pessoa a olhar para as coisas positivas da vida, a relativizar a sua situação presente, mas, ao mesmo tempo, isso não me faz absolutamente sentido nenhum.
O que dizer a uma pessoa que, de forma completamente consciente e racional, nos diz que quer morrer? Que já está satisfeita com a vida que levou até àquele momento? Estas pessoas sabem perfeitamente que, a partir dali, o seu estado de saúde só tenderá a piorar gradualmente. Algumas, com os seus 90 anos, dizem que já estão fartas e cansadas de viver, que já fizeram o que tinham a fazer neste mundo e que está na hora de descansar. Tenho sérias dificuldades em não concordar com esta posição.
Não é incomum perceber que aqueles que estão mais próximos da morte são, frequentemente, aqueles que a aceitam da forma mais tranquila e natural possível, o que é, aliás, o ideal do ponto de vista da saúde emocional. Falem com as pessoas mais velhas que vos rodeiam sobre este assunto, poderão ficar surpreendidos com as suas perspetivas.
Não é raro conhecermos casos de idosos, especialmente na região do Alentejo, que se suicidaram, alguns até de forma bastante inesperada, sem haver indícios óbvios que o fizessem prever. Aqui parece existir um paradigma cultural diferente: o suicídio é visto como um fim totalmente plausível e mais digno do que esperar para morrer ou definhar lentamente até ao último suspiro. Sempre achei que os alentejanos sabiam viver bem, talvez também nos possam ensinar uma ou outra coisa sobre a morte.
Está na hora de deixarmos de ser paternalistas e condescendentes com os idosos, ou de assumir que a vontade ou o desejo de morrer, ou até a ideação suicida, são necessariamente sinónimo de doença mental. Como se as pessoas mais velhas não tivessem direito às suas opiniões e emoções, como se alguém que quisesse morrer só pudesse ser maluquinho.
Sabemos hoje que o ser humano é bem mais complexo do que isso, e que o respeito pela dignidade humana é um valor essencial que nos deve guiar sempre.
Talvez alguém queira morrer porque sente satisfação com a sua vida até ao momento presente e não quer que esse sentimento seja arruinado por um futuro que se adivinha mais sombrio. Talvez uma outra pessoa deseje a morte pois sente que já está na sua hora, aceitando este chamamento de forma tranquila e em paz. Ainda uma outra pode ver a morte como uma forma de alívio ou de fuga ao sofrimento. Todas estas narrativas são extremamente válidas.
Os avanços científicos e tecnológicos que permitiram aumentar a longevidade da nossa espécie são, efetivamente, incríveis. Mas talvez não seja suposto vivermos tantos anos, nem seja o nosso propósito tentar fintar a mortalidade a todo o custo. Se, para mim, é essencial investir em cuidados paliativos de qualidade, é também essencial desmitificar o conceito e ideia de morte. Convido todas as pessoas a visitar uma residência para idosos para que observem a realidade do fim de vida, especialmente se são contra a eutanásia, ou se considerarem o suicídio sénior um flagelo ou pecado enorme, sinónimo de egoísmo ou fraqueza mental.
Quero reforçar que, como sociedade, devemos garantir que as pessoas mais velhas têm todas as condições para viver os seus últimos anos, meses, ou dias, de forma digna. Aliás, se não acreditasse nisso, não trabalharia precisamente com idosos institucionalizados. Este texto não é, por isso, um incentivo ao suicídio sénior, e não pretende afirmar que o suicídio é algo bom ou a solução para todos os idosos. Pretende, sim, elucidar para este tema e contextualizar a realidade atual do fim de vida, gerando mais empatia e menos estigma.
A minha querida avó, de 89 anos, diz-me muitas vezes, a propósito do seu envelhecimento, que “para lá vais, se lá chegares”. Costumo responder-lhe, meio em tom de brincadeira, meio a falar a sério, que eu não quero lá chegar. Não me importava de viver até aos 90, mas só se isso significasse viver com qualidade. Preferia claramente morrer mais cedo, de forma rápida e pouco dolorosa, do que me andar a arrastar até aos 100. E, se um dia fosse essa a minha triste situação, gostaria de ter oportunidade de escolher sobre a minha vida e a minha morte. Afinal, excetuando, naturalmente, os idosos num quadro de demência, ninguém melhor do que a própria pessoa para tomar este tipo de decisões tão pessoais.
Inês Fonseca
Pintura de capa por Jakub Schikaneder
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