Ao longo das últimas semanas, temos vindo a assistir a uma das mais significativas campanhas políticas mundiais. A influência política, militar e económica dos Estados Unidos, associada ao status quo internacional, faz desta uma das eleições mais importantes da atualidade.
O posicionamento nas questões internas do país é o que distancia mais os candidatos. Analisemos, então, as suas propostas na generalidade.
A candidatura democrata, com o mote “A New Way Forward” centra-se na proteção dos interesses democráticos e das liberdades fundamentais, dando especial importância à restauração do direito à interrupção voluntária da gravidez, impedindo uma nova lei de proibição. Simultaneamente, há uma clara defesa dos direitos das minorias, através do financiamento dos Gabinetes de Direitos Civis, com cerca de dois mil milhões de dólares, e da aprovação do Equality Act. Para as questões migratórias, também no centro do debate, o objetivo de Kamala passa por garantir a segurança das fronteiras e um melhor funcionamento do sistema de migração, através da lei Bipartisan border security. Outro dos pontos que assola a comunidade americana é a violência armada. Os democratas pretendem banir as armas de assalto e restringir o acesso às restantes.
Em relação à economia, o Partido Democrata apresenta várias medidas que agregam desde o desenvolvimento da economia de oportunidade até à proteção social. O Child Tax Credit e o Earned Income Tax, que pretendem baixar os impostos a cerca de 100 milhões de americanos das classes trabalhadora e média, são dois dos melhores exemplos. A prospeção económica consiste na aposta nos pequenos negócios, no investimento em empreendedores e na redução da burocracia e dos impostos. Com o objetivo de resolver a crise da habitação, os democratas apresentam um novo apoio de até 25 mil dólares na compra da primeira casa.
Quanto à inflação, Kamala Harris pretende combater as práticas anticompetição do setor farmacêutico e de retalho, de forma a diminuir o preço dos alimentos e medicamentos ao consumidor final, medida que acaba por ter uma segunda vertente, entrando também para a questão do acesso à saúde nos EUA. No entanto, o ponto fulcral passa pela expansão do Affordable Care Act, que pretende diminuir os custos dos cuidados de saúde e reduzir as dívidas relacionadas com esta área.
Além destes pontos, os democratas apresentam outras medidas, como a aposta no investimento para a competitividade americana, centrada nos trabalhadores e no desenvolvimento da inteligência artificial e de semicondutores, mantendo a luta pela justiça climática, através da aposta no desenvolvimento da indústria das energias renováveis.
Se, em 1835, Tocqueville assume não conhecer “nenhum país em que o amor ao dinheiro ocupe um lugar tão grande no coração dos homens e onde a teoria da igualdade permanente de bens seja objeto de um desprezo mais profundo.”, Donald Trump assume claramente que, passados quase 200 anos, o ideal de uma boa parte dos americanos se mantém o mesmo, continuando a privilegiar a riqueza individual à resolução dos problemas sociais e à construção de uma sociedade mais justa e equalitária. O Make America Great Again é, sem dúvida, a prova viva disto. Desde 2016, o republicano continua a centrar-se na proliferação de ideias antimigração, baseadas em teorias da conspiração e fake news.
A nível social, a campanha republicana centra-se na proteção da liberdade religiosa, através da criação de um grupo de trabalho federal contra os preconceitos anticristãos, assente na investigação sobre a suposta discriminação, assédio e perseguição contra a comunidade cristã norte-americana. Baseando-se nas ideias cristãs, Donald Trump, no que toca à comunidade LGBT, assume mais uma vez uma posição reacionária, proibindo o financiamento estatal para cirurgias de mudança de sexo. Simultaneamente, menciona várias vezes a promoção cultural do “casamento santo” e das bênçãos da infância.
Quanto à questão migratória, a posição do líder dos republicanos é bastante clara. Com o objetivo de travar a crise migratória, Donald Trump insiste na finalização do muro fronteiriço e no fim da libertação de imigrantes ilegais no país. Ao mesmo tempo, apresenta a Lei dos Inimigos Estrangeiros para retirar todos os membros de gangues, traficantes e membros de cartéis conhecidos ou suspeitos.
Simultaneamente, Trump prova o seu individualismo e o seu sentimento de superioridade internacional na maioria das medidas para o desenvolvimento económico do país, onde reafirma o seu apoio às grandes indústrias e ao isolamento político-económico americano. Neste âmbito, os republicanos assumem uma clara posição neoliberal e climaticamente cética.
Internamente, é defendida a eliminação da regulamentação do emprego, dos impostos sobre as gorjetas e das restrições ao mercado petrolífero. Por outro lado, e mantendo a típica posição dos conservadores norte-americanos, os objetivos de Trump passam também pela recuperação do “Sonho Americano”, através da redução das taxas de hipoteca, da abertura de Terras Federais e de incentivos fiscais à compra de habitação.
Para enfrentar a inflação, as grandes ideias republicanas assentam no fim das restrições à produção de energia fóssil, pondo fim ao, supostamente socialista, Green New Deal, na resolução da crise geopolítica global através da força e no combate ao desenvolvimento da economia chinesa em solo americano. Neste último ponto, o programa republicano defende a revogação do estatuto de Nação Mais Favorecida da China, eliminando as importações de bens essenciais e a exportação de bens imobiliários e industriais americanos, reforçando também a Buy American e Hire American.
No entanto, a campanha republicana não apresenta só ideias antigas. Na área da educação é proposta uma espécie de reforma que, superficialmente, parece democratizar o ensino, mas que na realidade acaba por mantê-lo elitizado. A grande bandeira republicana para o ensino começa por ser a redução de custos do Ensino Superior e a criação de alternativas aos cursos universitários tradicionais. Porém, aprofundando o seu programa eleitoral, percebemos que Donald Trump mantém o ceticismo em relação à posição da educação como elevador social, apresentando várias medidas para a revisão das normas disciplinares escolares, indo desde a suspensão imediata de alunos supostamente violentos até ao apoio ao endurecimento das instituições.
Devido à importância internacional destas eleições, acho importante mencionar alguns dos pontos principais do programa dos dois candidatos, no que toca à política externa e do contexto atual. Economicamente, os Estados Unidos têm se batido com a emergência exponencial do mercado chinês e, como tal, esta tem sido uma das situações mais debatidas entre democratas e republicanos.
Kamala apresenta-se algo contida e cautelosa quanto a este embate, assumindo uma linha semelhante à de Biden no que toca às taxas comerciais, mantendo assim uma relação moderada com o governo de Pequim. Por sua vez, Trump assume uma política passivo-agressiva com o governo chinês, fortemente influenciada pela sua experiência empreendedora e comercial, refletindo-se na utilização das taxas alfandegárias como arma. Isto poderá desestabilizar um pouco o crescimento económico da China, no entanto, o mais provável é que venha a afetar mais os americanos e os europeus, contribuindo assim para o aumento da inflação e da instabilidade do mercado mundial, em especial do Ocidente.
Analisando a política externa ocidental, a democrata apresenta-se disposta a defender as relações entre os EUA e a União Europeia, o que acabaria por favorecer os dois lados, levando a um realargamento das cadeias de abastecimento, à recuperação de mercados e à redução do impacto chinês nas economias europeias. Já o líder dos republicanos deixa muitas dúvidas, embora seja claro que a sua política externa choca com os valores e interesses da UE, podendo levar a um novo isolacionismo e a uma divisão interna entre os países que alinham com a sua política e os que se opõem, deixando assim a Europa fragilizada.
Simultaneamente, os conflitos geopolíticos mundiais afetam fortemente o ato eleitoral que se aproxima. Ao longo do último ano, têm-se desenvolvido duas guerras com um enorme impacto a nível mundial, onde a posição americana é evidente e crucial. No caso da guerra na Ucrânia, os dois candidatos voltam a ter posições muito díspares.
Uma vitória dos democratas significaria a manutenção do apoio militar a Kiev, não obstante a possibilidade de uma redução gradual do mesmo. Com a vitória de Trump, o mais provável seria a interrupção abrupta da emissão de apoio militar, levando a uma negociação de cessar-fogo na qual a Ucrânia estaria em desvantagem, podendo ser forçada a ceder alguns territórios. Esta situação levaria a um aumento da tensão global e obrigaria a Europa a fortalecer a sua resposta militar e diplomática.
Outro dos conflitos que tem causado mais controvérsia na campanha eleitoral americana é a questão do Médio Oriente. O escalar das hostilidades e da guerra na região, associado à posição bélica de Israel, tem vindo a desestabilizar a posição dos Estados Unidos nas relações diplomáticas internacionais. Face a este problema, os candidatos apresentam-se unidos na questão do apoio a Israel, no entanto, com algumas nuances cruciais.
De Kamala Harris espera-se uma continuação do apoio a Israel, contudo, mais moderada, unindo-se à União Europeia nas negociações de paz, visando uma solução de dois Estados. Já Donald Trump não reconhece tal possibilidade e reitera convictamente o apoio incondicional ao Estado Israelita.
Ainda no contexto das relações internacionais, acho importante mencionar a posição de ambos na NATO. Kamala assegura a continuação da aliança transatlântica, mas defende igualmente um aumento do investimento dos aliados na defesa. Donald Trump, por outro lado, mantém a mesma política de 2017-21, admitindo uma redução drástica do envolvimento americano.
Abordando apenas os programas eleitorais, a escolha parece-me óbvia. De um lado temos uma candidata forte e experiente, com um claro plano de desenvolvimento económico e social, que congrega várias medidas para a resolução dos problemas que mais assolam os EUA. Já Donald Trump insiste numa política agressiva e incapaz de manter boas relações, tanto a nível interno como externo. No entanto, se observarmos mais a fundo a base e a dialética de ambos, o fosso entre os candidatos torna-se ainda maior.
Donald Trump tem assumido uma postura demasiado populista e muito cética em relação às questões ambientais e sociais. O discurso do republicano assenta maioritariamente em teorias da conspiração fortemente refutadas, que retiram qualquer credibilidade à sua candidatura. Juntando isto às suas ligações com a extrema-direita, torna-se evidente a necessidade de uma vitória democrata nas presidenciais norte-americanas, não apenas pela responsabilidade nacional, mas por uma necessidade cívica internacional de defesa da democracia e da credibilidade política.
Imagem de capa: Lawrence Jackson
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