Constelações Familiares: intuição terapêutica e suaves evidências científicas

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As constelações familiares, uma abordagem terapêutica desenvolvida por Bert Hellinger, têm suscitado tanto interesse quanto controvérsia no campo da psicologia. Baseadas na teoria sistémica e na psicologia familiar, visam identificar e resolver dinâmicas familiares inconscientes, ocultas, que podem causar sofrimento emocional e problemas de relacionamento. No entanto, a sua eficácia e as suas bases científicas permanecem sob escrutínio, levantando questões pertinentes sobre a sua validade e aplicação.

Caracterizam-se frequentemente pelo uso de afirmações vagas, exageradas ou improváveis, pela confiança excessiva na confirmação em vez de buscar refutações rigorosas, pela falta de abertura à avaliação por outros especialistas e pela ausência de processos sistemáticos para desenvolver teorias de forma racional.

Do ponto de vista da teoria sistémica, as constelações familiares assumem que a família é um sistema onde todos os membros estão interligados e influenciam-se mutuamente. Segundo esta teoria, problemas e conflitos familiares não podem ser compreendidos isoladamente, mas sim no contexto do sistema familiar como um todo (Minuchin, 1974)1. A abordagem sistémica é amplamente aceite e reconhecida na psicologia, mas a aplicação específica nas constelações familiares coloca questões sobre a precisão com que essas dinâmicas podem ser representadas e interpretadas num ‘setting’ terapêutico.

Já a psicologia familiar, que examina as relações e dinâmicas dentro das famílias, oferece uma base científica para entender como estas relações impactam a saúde mental e o bem-estar dos indivíduos. Estudos demonstram que padrões disfuncionais de interação familiar podem levar a problemas psicológicos, como depressão, ansiedade e transtornos de personalidade (Nichols & Schwartz, 2005)2. No entanto, a extrapolação desses princípios para as constelações muitas vezes carece de fundamentação empírica robusta. A falta de estudos controlados por pares que comprovem a eficácia das mesmas torna difícil a sua aceitação como prática baseada em evidências e a sua aplicação universal. 

Um dos elementos centrais das constelações familiares é a utilização da árvore genealógica, ou genograma, no processo terapêutico. O genograma permite mapear as relações familiares e identificar padrões intergeracionais de comportamento e emoções. Esta ferramenta é valiosa e amplamente reconhecida na prática clínica para a avaliação e intervenção em problemas familiares (McGoldrick, Gerson & Petry, 2008)3. Embora o genograma seja uma prática validada, a forma como é utilizado nas constelações familiares, muitas vezes de maneira subjetiva e intuitiva, pode comprometer a sua objetividade e eficácia.

Apesar das críticas e controvérsias, muitos profissionais de saúde mental relatam benefícios significativos nos seus pacientes. A terapia promete oferecer uma perspetiva moderna e inovadora e uma oportunidade para resolver conflitos complexos e profundos de forma experiencial e emocionalmente envolvente (Schneider, 2007)4. Este testemunho subjetivo de sucesso terapêutico, no entanto, apresenta-se com um dilema: como conciliar a eficácia relatada pelos praticantes com a falta de evidências científicas rigorosas? 

As constelações familiares representam, assim, um paradoxo na psicologia clínica moderna: uma reivindicação, crença ou prática que combina intuição e teoria sistémica, mas que ainda necessita de rigor científico para ser plenamente aceite já que se enquadra como pseudociência que, apesar de alegadamente ser fundamentada em factos científicos ou se apresentar como possuindo alto nível de conhecimento, não é baseada na aplicação de métodos científicos válidos e reconhecidos. Ao não ter um status científico estabelecido e sólido, carece de plausibilidade, não podendo ser testada de forma confiável.



  1. Minuchin, S. (1974). Families and Family Therapy. Harvard University Press. ↩︎
  2. Nichols, M. P., & Schwartz, R. C. (2005). Family Therapy: Concepts and Methods. Pearson. ↩︎
  3. McGoldrick, M., Gerson, R., & Petry, S. (2008). Genograms: Assessment and Intervention. W. W. Norton & Company. ↩︎
  4. Schneider, K. J. (2007). Existential-Integrative Psychotherapy: Guideposts to the Core of Practice. Routledge. ↩︎

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