Portugal enfrenta atualmente um crescimento exponencial do consumo de substâncias psicoativas e de álcool, além do número de adeptos em apostas online. Estes três vícios têm em comum o facto de exercerem um poder sobre a vida do indivíduo adito de tal ordem que conseguem destruir o seu bom funcionamento.
Um comportamento torna-se um vício quando ultrapassa os limites da satisfação e do lazer e passa a assumir uma carga patológica. Nestes casos, existe uma motivação intrínseca na execução de um determinado comportamento, mesmo estando consciente das suas consequências.
Todas as pessoas, em algum momento da sua vida, podem consumir ou apostar uma primeira vez, porque a realidade é que nada as impede de fazê-lo. No entanto, se continuarem a repetir compulsiva e involuntariamente este comportamento, correm o risco de entrar numa espiral da qual se torna muito difícil desvincular-se. A adição assume várias proporções, sendo aqui abordado com maior rigor o impacto das apostas na vida dos apostadores.
A principal questão que se coloca é: existe algum perfil para o jogador adito? A resposta é não. Apesar dos principais jogadores, em contexto português, possuírem entre os 18 e os 34 anos de idade, e a grande maioria ser do sexo masculino, à exceção das raspadinhas, cujo pódio pertence às mulheres, qualquer indivíduo pode desenvolver esta perturbação de acordo com os fatores de risco existentes em cada realidade.
Uma grande parte das pessoas, seja por diversão ou ostentação, já apostou em algum momento da sua vida. No entanto, é muito difícil parar, quando, na primeira vez que se aposta, o jogador ganha uma quantia avultada de dinheiro. No ganho, os apostadores vivenciam uma sensação de liberdade financeira e pensam ter encontrado o segredo para ganhar dinheiro fácil. O que eles não sabem é que este segredo vem com múltiplos defeitos de fabrico, causando efeitos bastante nocivos ao seu bem-estar.
Mas o que diferencia o vício do jogo das restantes adições? Diferentemente do que acontece no consumo abusivo de álcool ou drogas, os indivíduos, nas apostas, necessitam, obrigatoriamente, do fator sorte, porque, mesmo elaborando uma estratégia para ganhar o maior valor possível, a sorte tem de estar presente, caso contrário, acaba por perder tudo o que investe.
Nas apostas, existem três momentos essenciais para melhor entender o funcionamento do nosso cérebro, que é o principal orientador das nossas ações. No início, a pessoa fica em êxtase porque se verifica uma excitação neuronal devido ao estabelecimento de expectativas acerca do dinheiro que supostamente receberá com aquela aposta, despoletando uma enorme sensação de euforia.
O segundo momento diz respeito ao período da aposta, que podem ser alguns segundos em jogos de roleta e ‘slot machines’, ou minutos e até horas no caso de apostas desportivas. Neste período, o apostador sente um aumento drástico dos níveis de ansiedade e adrenalina – justificados pela ânsia de saber se perde ou ganha.
Chegado a este momento, existem dois caminhos possíveis. Se o apostador ganhar, liberta-se um neurotransmissor, a dopamina, fundamental para alimentar o vício e muito perigosa quando associada a problemas aditivos. Como a dopamina é responsável pela manutenção do prazer, bem-estar e alegria, o cérebro fica viciado nessas emoções positivas, aumentando assim a vontade de jogar novamente. Por outro lado, há também momentos de perda em que o apostador vivencia sentimentos de culpa e angústia, fazendo com que, por momentos, não pretenda jogar mais, mas cuja vontade rapidamente floresce com um novo propósito: recuperar o valor perdido.
Em muitos casos, as pessoas chegam mesmo a pensar o que farão com o suposto dinheiro ganho, do qual nunca chegam, de facto, a usufruir porque será perdido em novas apostas. Afinal, quem nunca pensou o que compraria/faria se lhe saísse o Euromilhões? Toda a gente. A diferença encontra-se no facto de, nas apostas online, os jogadores investirem muito mais dinheiro do que aquele que ganham devido às oscilações constantes de valores, enquanto que, no Euromilhões, não se trata de um processo de ganho crescente, mas, sim, da existência de um vencedor ou perdedor.
Vários indivíduos, especialmente sem literacia financeira, deixam-se iludir pelo dinheiro fácil, acabando por gastar, primeiramente, o dinheiro que ganham, depois, o dinheiro que têm e, o mais assustador, o dinheiro que não têm, ou seja, proveniente de empréstimos contraídos para alimentar esta ganância de vencer. Na maioria das vezes, é fácil cair neste ciclo vicioso de comportamentos aditivos que acaba, no limite, com a rutura financeira e social do apostador, chegando mesmo a destruir famílias, afastar amigos ou qualquer núcleo seguro que possa existir.
Em situações cujo comportamento já é considerado um vício, existem dois procedimentos que devem ser adotados. Primeiro, admitir que precisa de ajuda especializada, independentemente desta consciência ter sido despoletada pelo próprio ou pela sensibilização de pessoas que lhe são próximas; depois, solicitar a autoexclusão das plataformas, por período determinado (mínimo de três meses) ou indeterminado porque, desta forma, impede-se que o apostador jogue novamente. Só em 2023, Portugal verificou 215.000 pedidos de autoexclusão. Nestes casos, é extremamente importante o tratamento psicoterapêutico, mas convém salientar que, ao contrário de outras perturbações psíquicas, as perturbações aditivas possuem uma carga emocional prazerosa, tornando-se mais desafiante, do ponto de vista da intervenção psicoterapêutica, para o indivíduo abandonar este prazer catastrófico. Este tipo de perturbação crónica tem vindo a assumir maior expressão ao longo dos anos e, como tal, é essencial a abordagem desta temática, assim como destacar a importância dos profissionais de saúde mental no combate desta dependência.
Pintura de capa por Caravaggio
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