É necessário as pessoas aproximarem-se dos artistas, sem medo, e não sentirem que não podem entrar num mundo que, no final de contas, o artista cria para si e para o público. Muitas vezes, quando me encontro a desenhar na rua, várias pessoas observam o processo do desenho e todos os meus movimentos, como se fossem corvos. Para além de ficarem surpreendidos por um canhoto estar a desenvolver qualquer que seja a prática artística, soltam um “Isso é talento nato” ou um “Quem me dera saber desenhar, mas não tenho jeito nenhum”. Ainda vai mais longe quando proferem que têm filhos da minha idade, mas que não têm “jeitinho nenhum”.
O professor e arquiteto Matthew Brehm, num dos livros de ‘urban sketching’ que possuo, exige que esqueçam a noção de talento, já que toda a gente tem a capacidade para aprender a desenhar e melhorar as suas competências de representar aquilo que nos rodeia. Acrescenta ainda que pessoas com talento são “pessoas que investiram tempo no desenvolvimento das respetivas competências”. Levo sempre na minha cabeça estas citações de Brehm e tento partilhar ao máximo esta ideia com os meus alunos nos workshops que realizo, ou simplesmente com pessoas com quem me deparo no dia a dia.
Efetivamente, sou um exemplo da ideia anterior e encorajo cada um a começar a desenhar, porque o importante é começar. No início do processo de desenvolvimento de uma técnica, o mais relevante é gostar desse processo, uma vez que, como digo a muitas pessoas, só comecei realmente a gostar dos meus desenhos na ilustração número 200. E não esperem que o primeiro desenho que façam seja do vosso agrado, tal como não esperem que, na primeira vez que conduzam um carro, não se vão enganar ao utilizar as mudanças, não deixando de conduzir por esse simples engano.
Não é suposto sentirem-se nervosos quando estão a desenhar, por exemplo, no vosso diário gráfico, mas, sim, ainda mais livres e despreocupados com o que estão a fazer. Experimentem diferentes técnicas, errem, escrevam observações. Nenhum dos vossos desenhos será avaliado, e não existem rabiscos melhores do que outros, apenas diferentes técnicas e forma de expressão.
De facto, o diário gráfico é, sem dúvida, um ótimo objeto para experimentarem novas técnicas e para se sentirem mais confortáveis ao errar. Desenhos mais pequenos e de rápida execução são mais eficazes no aperfeiçoamento de uma técnica do que desenhos de larga escala, que são menos frequentes e aumentam a probabilidade de desistirem a meio do processo.
O mais difícil é preencher a primeira página do ‘sketchbook’. Se sentirem alguma pressão interna em começar, sugiro que abordem o desenho-cego (olhar para o que estão a querer retratar e não para a folha), desenhos de uma só linha (sem nunca tirarem a caneta da folha durante o processo), ou outros pequenos e rápidos exercícios delineados por vocês. O desenho-cego funciona como um estilo libertador e que retira peso e responsabilidade ao resultado final. Torna mais importante o processo do desenho e a observação, fomentando a expressividade da linha no papel.
Na verdade, um traço expressivo pode muito bem não ser reto e ter algumas irregularidades. A expressividade concentra-se na confiança e na despreocupação que o artista coloca. Diria que o medo de errar é o maior obstáculo para quem se está a introduzir no mundo do desenho e que o diário gráfico pode ser a solução para desvanecer, gradualmente, esse receio. Em jeito de conclusão, todos têm a capacidade de evoluir no processo de desenhar, não havendo uma só técnica de expressão a poder ser utilizada. Pedro Loureiro, ‘urban sketcher‘ português, afirmou, numa entrevista, que “não há um caminho certo ou uma formação específica definida para se tornar um artista” e acrescentou que “a arte é uma jornada individual, na qual cada artista descobre e desenvolve seu próprio caminho e estilo único”, não existindo regras fixas ou limitações, permitindo que cada indivíduo explore a sua criatividade de maneira única e pessoal.
Pintura de capa por Bolton Brown
Partilha este artigo:
Deixe um comentário