O período eleitoral prévio tinha revelado resultados pouco entusiasmantes: uma abstenção recorde de 68,6% numa eleição europeia[1], que embora proporcione alguma discussão em certos meios académicos e de comentário político[2], a recetividade dos eleitores não poderia ter sido mais do que de uma esperada apatia quanto a uma eleição críptica e distante.
Durante as últimas Europeias, em pleno processo Brexit, num contexto de convergências na extrema-direita nacionalista europeia e desafiadora do projeto europeu, de tendências crescentemente autocráticas no eixo Centro-Leste Europeu, e de emergência climática e humanitária, os debates portugueses pautaram-se maioritariamente por uma nacionalização dos temas, das intervenções e das campanhas na sua globalidade. Mas cinco anos após este momento eleitoral, procuram-se os sinais substanciais de transformação europeizadora destes próximos debates. Por ora, com uma certa inconspicuidade, podemos notar sinais de uma corrente valorização da luso-eurocracia, substancializada na eleição de um ex-comissário europeu à Presidência da Câmara Municipal de Lisboa e nomeação de cinco ex-eurodeputados eleitos em 2019 na configuração do novo Governo em São Bento.
Com as listas de candidatos oficialmente fechadas, revelam-se as principais apostas de cada partido para a representação parlamentar em Bruxelas e Estrasburgo. Algumas destas escolhas parecem revelar a meticulosidade por parte das forças políticas partidárias em considerar as discussões europeias vigentes. A título de exemplo, os representantes dos partidos portugueses em Bruxelas opuseram-se à criação das listas transnacionais e de um círculo eleitoral único, acusando, entre outros motivos, de se tratar de uma proposta artificial, que obrigaria os eleitores a terem de votar em candidatos desconhecidos e do qual não se esperaria que conhecessem[3].
Por conseguinte, vários dos partidos nacionais têm seguido com a nomeação de cabeças de lista de manifesta reputação no espaço público português. Seja um comentador político de 28 anos, uma ministra da Saúde demissionária, um deputado nacional não reeleito, ou uma colunista politicamente “sincrética” e imunitariamente “cética com as vacinas”. À sorte (e vontade do Bloco Central), teremos debates televisivos com todos os candidatos (desde que com representação em São Bento, critério justamente rigoroso), com direito extraordinário a um duelo final de referendo ao Governo e oposição (repito, critério justamente rigoroso)[4]. Mas sejamos justos, talvez a proposta de 28 debates frente-a-frente, parafraseando o secretário-geral do PS e líder da oposição, seja de facto excessiva. Afinal de contas, a campanha eleitoral não se reserva apenas a estes debates televisivos. Omitiu, no entanto, que também não se tem notavelmente reservado a qualquer outro momento nestes últimos cinco anos, independentemente do meio de comunicação e de ação. Perdão, talvez por rigor devo relembrar o leitor sobre a permanência mediática da questão se António Costa será o próximo presidente do Conselho Europeu.
Alguns dirão que isto é insuficiente. Que a conjuntura europeia atual e os desenvolvimentos nos corredores do Espace Léopold merecem mais foco e escrutínio. Sim, a direita nacionalista, radical e eurocética, está potencialmente projetada a ser a terceira maior força política no Parlamento Europeu. Isto é, se apenas considerarmos o grupo parlamentar dos autodenominados Reformistas e Conservadores Europeus (ECR), a junção destes com a extrema-direita mais desavexada da Identidade e Democracia (ID) poderia destronar ineditamente o centro-esquerda europeu (S&D) como a segunda maior força[5]. E é um facto que o grupo político do centro-direita (EPP) tem vindo a entreter, desde o ano passado, o aprofundamento do diálogo e uma cooperação mais próxima com o ECR[6], facto não propriamente refutado pela atual presidente da Comissão Europeia e cabeça de lista do EPP, Ursula von der Leyen[7]. Também é verdade que o Pacto Ecológico Europeu corre riscos de ser comprometido por esta entente de direita[8], mas a isto ainda acresce receios de uma UE menos democrática, solidária e garante do Estado de direito e dos direitos humanos fundamentais no futuro[9]. Mas talvez isso seja só conversa de Bruxelas, em Lisboa parece que já está tudo preparado.
[1] RTP. (27 de Maio de 2019). Europeias com a maior abstenção de sempre em Portugal . RTP. Obtido de https://www.rtp.pt/noticias/politica/europeias-com-a-maior-abstencao-de-sempre-em-portugal_v1150372.
[2] ISCSP. (27 de Junho de 2019). Abstenção bate recorde em Portugal: Taxa de 68,6% é a mais alta de sempre no país. Obtido de ISCSP: https://www.iscsp.ulisboa.pt/pt/servicos/comunicacao/clipping/abstencao-bate-recorde-em-portugal-taxa-de-68-6-e-a-mais-alta-de-sempre-no-pais.
[3] Lusa. (3 de Maio de 2022). Eurodeputados portugueses contra listas transnacionais nas eleições europeias. ECO. Obtido de https://eco.sapo.pt/2022/05/03/eurodeputados-portugueses-contra-listas-transnacionais-nas-eleicoes-europeias/.
[4] Lusa. (6 de Maio de 2024). Europeias: nova proposta das televisões prevê três debates com todos e um frente-a-frente PS e AD . PÚBLICO. Obtido de https://www.publico.pt/2024/05/06/politica/noticia/europeias-nova-proposta-televisoes-preve-tres-debates-frenteafrente-ps-ad-2089391.
[5] Garscha, M. (3 de Maio de 2024). EU Parliamentary Projection: Can the Liberals repeat their top three finish? Europe Elects. Obtido de https://europeelects.eu/2024/05/03/april-2024/.
[6] Pascale, F., Castaldi, R., & Otfinowska, S. (12 de Maio de 2023). EXCLUSIVE: Italian FM says EPP-ECR dialogue should continue after EU elections. EURACTIV. Obtido de https://www.euractiv.com/section/politics/news/exclusive-italian-fm-says-epp-ecr-dialogue-should-continue-after-eu-elections/.
[7] Wax, E. (30 de Abril de 2024). Von der Leyen opens the door to Europe’s hard right. Politico Europe. Obtido de https://www.politico.eu/article/von-der-leyen-hard-right-maastricht-debate-giorgia-meloni-viktor-orban-schmit/.
[8] O’Carroll, L. (23 de Abril de 2024). EU green deal at ‘very high’ risk of being killed off, says Greens co-leader. The Guardian. Obtido de https://www.theguardian.com/world/2024/apr/23/eu-green-deal-at-risk-greens-co-leader-philippe-lamberts.
[9] Jakubowska, M. (19 de Abril de 2024). EP ELECTIONS 2024: HOW DEMOCRACY CAN WIN AND EUROPE LOSE – Foresight Report. Strategic Foresight by Visegrad Insight, 3(25). Obtido de https://visegradinsight.eu/ep-elections-2024-how-democracy-can-win-and-europe-lose-foresight-report/.
Nota: O presente artigo foi redigido antes de ser divulgado o formato oficial dos debates televisivos para as eleições europeias.
Pintura de capa por William Hogarth
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