A liberdade de expressão e os limites do humor

“Da mesma forma que eu tenho direito a dizer umas piadas, o outro tem direito a não gostar delas e a expressar o seu desagrado. É a questão engraçada e paradoxal da liberdade: vai para os dois lados. Nesse aspeto, concordo bastante com a expressão ‘dizes o que queres, ouves o que não queres’.”

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Sei que este tema sobre a liberdade de expressão e os limites do humor já foi explorado uma data de vezes por diversas pessoas, e, para alguns, não há mais nada para esmiuçar. Entretanto, esta não é uma questão simplista ou que deixou de ser atual. Tenho refletido acerca destas questões, até devido ao período pós-eleitoral que vivenciamos atualmente, e detetado alguns padrões interessantes. Por isto, gostaria de partilhar com vocês, caros leitores, a minha perspetiva sobre este assunto.

Sou, à partida, defensora da liberdade de expressão e do humor, sem limites. No entanto, como boa (futura) psicóloga, já aprendi que, quando há exceções à regra e a questão é complexa, mais vale recorrer à resposta segura e que nunca nos deixa ficar mal: “depende”.

“Depende do quê?”, perguntarão vocês (e bem!). De múltiplos fatores, claro. Diria que, talvez, o mais importante fosse o contexto da conversa. Falar com amigos ou com pessoas desconhecidas é bastante diferente, por exemplo. Ou até o que é falado pessoalmente ou por meio das redes sociais. Aquilo que dizemos – e a forma como nos expressamos – pode ser interpretado de modos muito distintos, o que influencia toda a comunicação.

A sensibilidade ao contexto é muito importante e revela inteligência e capacidade de adaptação da nossa parte – esta é, aliás, uma capacidade bastante funcional do ponto de vista evolutivo da nossa espécie. Se, no nosso grupo de amigos, uma determinada piada ou comentário (mesmo que potencialmente controverso) pode despoletar risos, numa outra situação pode levar a desconforto imenso e mal-entendidos desagradáveis.

Da mesma forma que eu tenho direito a dizer umas piadas, o outro tem direito a não gostar delas e a expressar o seu desagrado. É a questão engraçada e paradoxal da liberdade: vai para os dois lados. Nesse aspeto, concordo bastante com a expressão “dizes o que queres, ouves o que não queres”. Portanto, aquilo que escolhemos, ou não, partilhar, deve ser sempre ponderado tendo estes aspetos em mente. Não faz sentido dizermos algo polémico/provocador de forma consciente e, depois, ficarmos chateados quando o outro não reage da forma que queremos.

Parece-me irónico que as mesmas pessoas que defendem de forma superaguerrida, talvez até agressiva, por vezes, a sua liberdade de expressão, tenham, depois, dificuldades em respeitar o mesmo direito quando se trata dos outros. Como se houvesse dois pesos e duas medidas. Do género, “sou a favor da liberdade e do humor, mas só quando vai ao encontro do que eu acho e gosto”. Lamento, mas tenho más notícias: não é assim que funciona.

É também curioso como, frequentemente, quando estas mesmas pessoas não gostam de um determinado tipo de humor, acusam o humorista de ser mal-educado ou rude, quando efetivamente não o é (atenção, porque há casos e casos!). Às vezes, até procuram silenciar essas pessoas, e o ataque passa do foro profissional para o pessoal muito rapidamente. Isto, sim, é perigoso. Fazem comentários do género “como ainda dão atenção/tacho a esta pessoa”. Felizmente, não gostamos todos do mesmo.

Mas, afinal, há limites quando as piadas não são o nosso estilo? Onde fica a liberdade de expressão individual? Que bom viver numa sociedade em que podemos discordar e ter discussões produtivas a partir de perspetivas diferentes, contribuindo assim para o desenvolvimento conjunto e uma reflexão mais profunda dos temas. Que bom poder mudar de opinião, dar uso à nossa flexibilidade e plasticidade cognitiva e encontrar novas formas de ver o mundo. Gostava que fizéssemos isto com mais frequência, em vez de estar constantemente a mandar bitaites e a ter confrontos de ideias dignos de tasca (como tanto se viu na TV com os debates políticos).

Entristece-me e preocupa-me a forma enraivecida como tenho visto alguns supostos defensores da liberdade de expressão demonstrarem o seu desagrado porque, pasmem-se, os outros têm a ousadia de não viver do modo que eles consideram correto. Não faz sentido fazer imposições ideológicas, religiosas, políticas, ou outras, a pessoas que não se identificam com as mesmas, pois essa decisão deve ser individual e ponderada, nunca forçada. Não existem limites objetivos e impostos no que toca ao humor ou à liberdade de expressão, mas pede-se o mínimo de noção e bom senso. E estes, por vezes, parecem escassear, infelizmente.

Isto tudo para dizer: a liberdade é um direito fundamental que devemos todos cuidar e respeitar, mas os direitos vêm também com responsabilidades, e eu peço que tenham mais empatia e sensibilidade quando expressarem as vossas opiniões. Como cidadãos inseridos numa sociedade, têm (ou deveriam ter) esse dever.

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Sou Psicóloga Júnior na “Casa Maior”, uma residência sénior no Porto. Fiz o meu percurso académico na universidade de Aveiro, sendo mestre em Psicologia da Saúde e Neuropsicologia. Fiz parte da primeira geração de estudantes embaixadores OPP e sou também recrutadora na “Reconhecer o Padrão”.

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