O tráfico humano representa um fenómeno cada vez mais mediático em todo o mundo. Portugal deixou de ser apenas um país de origem, ou seja, um local onde são recrutadas as vítimas, para passar a designar-se como um local de destino e trânsito. Destino porque Portugal será a localização onde as vítimas serão exploradas, e trânsito, por ser um local de passagem para o seu destino final.
Pensando num país como Portugal, até custa a acreditar que uma logística de crime organizado de tamanha complexidade consiga ganhar popularidade num território tão pequeno. Existe uma dificuldade cada vez maior em combater as redes de tráfico e exploração humana, pelo facto da localização geográfica do nosso país se assumir como a porta de entrada para a Europa e facilitar a entrada de migrantes. No fundo, existe uma espécie de ponte que separa a América Latina da grande porta para a Europa – como quem diz Portugal. E será que não há forma de mudar o paradigma atual e proteger estes migrantes?
A população que cai nestas armadilhas, construídas através da lenda de que irão para um local com condições de empregabilidade mais apetecíveis e que conseguirão ter uma melhor qualidade de vida, rapidamente se esvanece quando a tal proposta de sonho teima em não aparecer. A sede por uma vida melhor, espelhada no rosto sofrido desta população, traduz-se no empoderamento dos líderes destas redes de exploração humana. Os migrantes desprotegidos, que se deixam acreditar nestas ofertas aliciantes, encontram-se em situações socioeconómicas vulneráveis, fazendo com que abandonem o ‘american dream’, devido à complexidade logística e à rigorosa fiscalização, para se direcionarem para o sonho europeu, que de sonho não tem nada.
Atualmente, observa-se um aumento significativo destas redes de tráfico humano cujos líderes são os principais beneficiados, auxiliando os recém-chegados na obtenção de documentação, muitas vezes falsa, e na fuga ao controlo de fronteiras. Perante esta problemática, é inevitável questionar como Portugal conseguiu atingir números assustadores de migrantes ilegais, que aceitem viver em condições pouco ou nada dignas, ganhando valores mínimos e sendo explorados diariamente. A resposta é simples: devido à existência de um sistema de fiscalização deficitário que permite a entrada desmedida de migrantes ilegais.
Estes migrantes recém-chegados a um país desconhecido são submersos na angústia e medo de serem penalizados, que são amenizados com o auxílio destas redes cuja finalidade é lucrar com a sua exploração. Na sua maioria, os migrantes são convencidos a mudar de vida, ainda no próprio país de origem, aliciando-os de que terão acesso a uma melhor qualidade de vida e a determinadas regalias que nunca as chegam a ter.
O número de sinalizações por suspeitas de tráfico de seres humanos tem vindo a aumentar drasticamente, e as expectativas para os próximos anos não são satisfatórias. O tráfico humano é uma tipologia de crime que se pratica em conjunto com muitos outros, como é o caso do auxílio na imigração ilegal, extorsão, práticas de fraude fiscal, e ofensas à integridade física. Apesar de se abordar apenas o tráfico humano, em muitas das situações, as consequências provenientes destas redes são muito mais complexas e perigosas do que aquilo que se possa pensar.
Em 2023, foram identificados, em Portugal, 1128 apanhadores ilegais de amêijoa, quando os mariscadores licenciados eram apenas 190, o que nos faz questionar se esta exploração humana só prejudica as vítimas destas redes ou também os cidadãos do próprio país. A apanha ilegal de amêijoa aglomera um rendimento anual de cerca de 22 milhões de euros que vê o seu lucro aumentado com a inexistência de impostos associados. Para além disso, esta problemática agrava-se pelo facto destes produtos não serem vendidos em lota, e, não havendo um controlo sanitário adequado, poderem originar graves problemas de saúde pública. Neste tipo de práticas não se prejudicam apenas os migrantes explorados, mas também quem adquire estes produtos, uma vez que a amêijoa é vendida como se fosse de origem venezuelana, quando na realidade navega pelas belas águas do Tejo, fazendo jus ao famoso ditado português: “comprar gato por lebre”.
Para além da apanha da amêijoa, existem outras situações com migrantes em condições deploráveis. Exemplo disso são as explorações agrícolas, que na Operação Espelho levada a cabo pela Polícia Judiciária, foram descobertos mais de 100 migrantes ilegais no baixo Alentejo, e identificados 28 suspeitos de integrarem uma rede criminosa de exploração humana. Nesta megaoperação, constataram-se problemas de sobrelotação (uma casa de banho para 20 pessoas), condições de higiene deficitárias e, obviamente, salários muito abaixo dos valores outrora prometidos (os valores iniciais rondavam os 800€ – 1000€, quando na realidade o montante atribuído a cada trabalhador não excedia os 200€).
As forças de segurança devem estar mais atentas a este tipo de redes, assim como a população em geral, no sentido de alertar/denunciar para a sua existência. Muitos cidadãos conseguem aperceber-se de certos indicadores relacionados com o tráfico humano, mas têm receio de as denunciar, conduta que atualmente não é compreensível quando é possível realizarem-se denúncias anonimamente.
O tráfico humano não é um problema que diga respeito apenas às forças de segurança, mas também à população em geral. Se ambos conseguirem trabalhar em conjunto, é possível que Portugal deixe de se tornar um país que explora migrantes, e que forme um controlo adequado à sua entrada, de forma a garantir a segurança dos cidadãos portugueses e daqueles que vêm para o nosso país em busca de melhores condições de vida.
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