“Há momentos infelizes
em que a solidão e o silêncio
se tornam meios de liberdade.”
Paul Valéry
Quando eu era criança, passava longas horas a brincar sozinho. Nunca encarei isso de forma negativa. Pelo contrário, eram momentos de grande diversão e alegria.
Essa recordação dos meus momentos de infância, fez-me pensar nalguns dos contrastes com que a sociedade nos surpreende hoje em dia:
– Os canais de comunicação são cada vez mais acessíveis, mas comunica-se cada vez menos. Em consequência disso, a Solidão reina.
– As necessidades básicas estão asseguradas para a maioria da população, mas as pessoas parecem viver numa busca incessante por algo que lhes falta, e por isso a sensação de infelicidade cresce a um ritmo assustador.
– A literacia da População aumentou, mas os comportamentos saudáveis e a Saúde Mental diminuíram.
– É mais fácil e rápido viajar, mas as pessoas sentem-se cada vez mais sozinhas.
– Os avanços tecnológicos permitiram que as pessoas se libertassem de trabalhos fisicamente desgastantes e rotineiros, mas o ritmo de vida aumentou e o tempo disponível diminuiu.
– A esperança de vida aumentou, mas paira no ar a ideia de que a vida passa mais rápido.
Quando pensava nestes contrastes, o acaso confrontou-me com um poema de Emily Dickinson:
“Há uma solidão do espaço
Uma solidão do mar
Uma solidão da morte, mas
Tudo parecerá movimentado
Se comparado a esse local profundo
Essa privacidade polar
De uma alma diante de si mesma
Finita infinidade…”
Como gosto bastante de acasos, fiquei a pensar que o denominador comum destes contrastes parece ser um dos principais condicionantes à felicidade, bem-estar e qualidade de vida das pessoas: a solidão.
Senão vejamos: se as pessoas comunicam tanto, viajam tanto, têm trabalhos mais estimulantes, acesso a tecnologia tão avançada, como poderão então sentir cada vez mais o peso negativo da solidão?
Penso que a resposta a esta questão reside na constatação de que é tão natural e frequente falar da solidão, como é natural as pessoas afastarem-se umas das outras no dia-a-dia, quase como se fosse normal procurarem a solidão, isolando-se, gerando assim um espaço vazio de comunicação e afeto, que é terreno fértil para as sementes da solidão.
Por outro lado, sem afeto de qualidade, promotor de intimidade, disponibilidade e empatia, as pessoas parecem sentir-se cada vez mais sós, afastadas dos outros e de si mesmas.
A armadilha da facilidade de comunicação, criou a ilusão de que se é próximo e íntimo dos outros, ao mesmo tempo que transforma todos em estranhos, habitantes comuns duma espécie de vazio que se foi gerando na sociedade.
Este tema tem sido abordado sempre duma perspetiva negativa, como se apenas existisse um lado da moeda, e até ficamos confusos quando ouvimos relatos de pessoas que buscam na solidão um refúgio e não a encaram como algo negativo, podendo até viver bastante felizes e realizados. Esta perplexidade é curiosa, porque é precisamente quando estão “sós”, que as pessoas se tornam mais íntimas de si mesmas, e podem assim aceder a um nível de conhecimento interior mais profundo.
Talvez seja esse o ingrediente em falta. Um espaço criador de intimidade individual, que permita a cada um estar saudavelmente só e que assim sinta o desejo de proximidade com o outro.
O paradoxo da solidão reside no facto de que estar só não tem de ser algo negativo ou doloroso. Pode ser até bastante terapêutico, quando é um desejo individual, que parte da vontade consciente e ponderada. O que é doloroso, é ser deixado sozinho, na solidão. Ser ou sentir-se abandonado, numa espécie de abandono que é gerador de desamparo e desespero.
É esta sociedade de contrastes, de proximidade e de distância, que tem feito com que se desvalorize o poder terapêutico de estar sozinho. Esta desvalorização conduziu as pessoas à criação de vínculos sociais fast-food, sem verdadeira intimidade. É por isso que parecem sentir muita falta uns dos outros, provavelmente porque andam cheias de saudades de si mesmas.
Rolando Andrade
Pintura de capa por Edward Hopper
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