Quando alguém, principalmente com alguma relevância pública, faz um comentário ou declaração algo polémica, não é raro vermos umas quantas pessoas nas redes sociais que discordam com aquilo que foi dito, a mandar a tal pessoa ir trabalhar. Principalmente, quando falamos de políticos, artistas e outros profissionais de áreas mais “intelectuais”. Ou, pelo menos, a dizer para arranjarem um trabalho “a sério”, seja lá o que isso for. E é sobre isso mesmo que quero refletir convosco aqui hoje. Afinal, que profissões são ou não dignas, sérias, e que trabalhadores são merecedores do nosso respeito?
Dando como exemplo um hospital: para funcionar devidamente, os hospitais precisam tanto de médicos como de profissionais de limpeza competentes. Porque sem médicos não há cuidados de saúde, mas sem limpeza apropriada o risco de infeções e contaminação aumenta significativamente, comprometendo a qualidade dos serviços de saúde. As duas classes profissionais trabalham, assim, de forma simbiótica, tal como acontece na natureza entre muitas espécies animais.
Mas então por que motivo glorificamos uns e tratamos outros com desprezo? Ou, pior ainda, não respeitamos ninguém? Como aquele tono do big brother que uma vez num direto disse algo do género: “Um médico sabe mais do que eu porquê? Só porque estudou mais anos?”. Sim, é precisamente por isso. Pelo menos em matéria de saúde, à partida, um médico tem mais conhecimento que alguém que não o é.
Mas um médico não é mais do que ninguém, pelo menos na mesma medida que um empregado de limpeza não é menos do que ninguém. Além de que as pessoas não se resumem às suas profissões, mas isso já é toda uma outra discussão.
Sei que nem todos concordam com esta minha posição, mas para mim é muito simples: todas as pessoas e profissionais estão ao mesmo nível e eu devo-lhes a mesma quantidade de respeito; e este é diretamente proporcional ao respeito que me devem a mim também. Isto quer esteja a trabalhar como estagiária de psicologia ou como empregada de mesa. Mas num dos contextos sou tratada por “doutora” e no outro já fui chamada com estalar de dedos ou assobios. E é engraçado porque a pessoa é sempre a mesma, sou sempre eu. A Dra. Inês a servir cafés e a limpar sanitas, que escândalo!! Ou a Inês do Buçaquinho a dar consultas e a acompanhar utentes a diligências em tribunal, que horror!!
Estou obviamente a ironizar, mas volta e meia isto é muito claro para mim e dou-vos um exemplo concreto. Durante a pandemia, usava a máscara reutilizável da minha universidade (que tem o logo da mesma estampado) para trabalhar. E durante esse tempo deixei de ouvir aquela típica boca: Eu – “com licença”; Cliente – “está licenciada menina” (risinhos às vezes inocentes e outras vezes maldosos). Agora, já sem máscara, a piada voltou e eu respondo sempre com: “estou sim senhora, e daqui a nada já sou mestre”. E é engraçado ver a reação das pessoas, que é quase sempre de espanto misturado com alguma pena e/ou admiração. E a conversa facilmente muda de tom.
Por favor, não sejam estas pessoas que assumem que alguém, só porque está numa posição de servir outros, não tem estudos e que, quando descobrem que afinal os tem, afinal já a consideram merecedora do mínimo que dita a boa educação. Engraçado que podíamos estar também a discutir o contrário: quando trabalhos intelectuais são desvalorizados e profissões fisicamente pesadas é que são consideradas “sérias”. E é muitas vezes neste contexto que os políticos, artistas, investigadores, por exemplo, são mandados trabalhar. Mas eles já não estão a trabalhar? Pensar e implementar políticas públicas, organizar eventos de carácter cultural numa freguesia, escrever a letra de uma canção, pintar um quadro, desenhar um estudo com uma metodologia inovadora, isso não é trabalhar?
O trabalho intelectual pode não ser tão visível, mas é tão importante quanto o físico e está presente no dia-a-dia de todos nós: nos transportes públicos (e na sua não existência), nos incentivos e apoios sociais, nas músicas que ouvimos ou séries que vemos, no conhecimento que temos e das coisas que utilizamos, nas novas tecnologias, etc.
Voltando à questão inicial: então, mas afinal, que profissões são ou não dignas, sérias, e que trabalhadores são merecedores do nosso respeito? Para mim a resposta é simples: todas e todos. Isto porque todos os trabalhos e profissionais são necessários (ou quase todos vá)!
Inês Fonseca
Pintura de capa por Henri Gervex
Deixe um comentário