Tempo de leitura: 4 minutos

No passado dia 29 de março, o BE, PCP e Livre apresentaram uma proposta para o fim das propinas no ensino superior. Embora a ideia de não ter de pagar propinas seja atrativa, temos de ser honestos e realistas na análise da proposta, pois é insustentável para o nosso sistema de ensino superior.

A meu ver, a abolição das propinas constitui uma das medidas mais populistas e demagógicas que se podem conceber. A proposta de eliminação das propinas é inadequada e insustentável do ponto de vista das políticas públicas, podendo acarretar consequências negativas a médio e longo prazo. Apesar de parecer atraente a curto prazo, tal medida é vista como uma opção oportunista que poderá desencadear riscos e problemas significativos para o futuro.

As propinas são uma das principais fontes de receita das instituições de ensino superior, sendo utilizadas para financiar uma diversidade de atividades e investimentos que contribuem para o aumento da qualidade do ensino. A perda desta significativa fonte de receita pode acarretar dificuldades financeiras significativas para as instituições de ensino superior, levando-as a adotar medidas drásticas, tais como a redução da qualidade dos serviços oferecidos. Isso pode incluir a limitação da contratação de professores, a diminuição do número de colaboradores e a redução da oferta de cursos disponíveis, comprometendo assim o reconhecido prestígio do ensino superior português a nível europeu.

Analisando a posição da Comissão Europeia em relação às propinas no ensino superior, é possível constatar que as mesmas visam suportar parte das despesas e investimentos e são cobradas de todos os estudantes. No entanto, existe um valor máximo legalmente estabelecido, sendo que as instituições de ensino superior têm a liberdade de fixar o valor anual da propina para cursos de 1º e 2º ciclo, bem como para cursos técnicos superiores profissionais, dentro de um valor mínimo de 495 euros e um máximo de 697 euros (referente ao ano académico 2021/22). Quanto aos estudantes de outros países, a instituição de ensino superior pode cobrar uma propina mais elevada, de acordo com o Estatuto do Estudante Internacional, correspondente ao custo real do curso.

Contudo, é necessário ter em conta a forma como o ensino superior é financiado. De acordo com os dados da Comissão Europeia, o Programa Orçamental Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é financiado sobretudo por transferências do Orçamento do Estado (58,9%), bem como por receitas próprias. Entre as receitas próprias (41,1%), destacam-se as propinas, fundos europeus, doações e serviços prestados. As principais metas do Programa Orçamental centram-se na melhoria e alargamento do acesso ao ensino superior, através de uma melhor estruturação da rede e oferta das instituições de ensino superior, contribuindo para elevar os níveis de formação superior da população portuguesa e estimulando a competitividade internacional da comunidade científica.

Assim, retirar uma parte dos 41,1% de financiamento proveniente de receitas próprias traria problemas ao ensino superior a longo prazo, e acarretaria dificuldades noutras áreas, devido ao aumento de financiamento do Orçamento do Estado para o ensino superior, o que implicaria a diminuição de financiamento de outras áreas. A curto prazo, pode não ser visível a lacuna resultante, mas no futuro, esta atitude poderá revelar-se incompatível com a realidade do país. É importante ser honesto e realista, não se devendo iludir os estudantes com propostas que possam vir a fracassar.

Embora seja verdade que vários países europeus já aboliram o pagamento de propinas, como a Alemanha, Suíça, Bósnia, Sérvia, Albânia e Macedónia, ou nunca as tiveram, comparar Portugal a esses países é uma utopia, dado que as realidades são diferentes. Uma redução gradual das propinas poderia ser uma solução viável, desde que realizada de forma responsável e sustentável, tendo em conta as implicações financeiras para as instituições de ensino superior e o impacto na qualidade do ensino e investigação. É também importante disponibilizar outras formas de apoio financeiro aos estudantes de baixos rendimentos, como bolsas de estudo e programas de empréstimos com juros reduzidos.

Em suma, a questão das propinas no ensino superior é um tema sensível e complexo, que deve ser analisado com cuidado e ponderação. Embora a sua abolição possa ser vista como uma medida positiva para a democratização do acesso ao ensino superior, é importante ter em conta as implicações financeiras e a necessidade de encontrar fontes alternativas de financiamento. Uma redução gradual das propinas, aliada a outras medidas de apoio financeiro para estudantes carenciados, pode ser uma solução mais realista e sustentável a longo prazo. É essencial que se encontre um equilíbrio entre a necessidade de financiamento para manter a qualidade do ensino e a acessibilidade para todos os estudantes, para que se possa alcançar um sistema de ensino superior justo e eficiente.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.