Segundo o dicionário Priberam da língua portuguesa, um colaborador é, e passo a citar, uma “pessoa que trabalha com outra em iguais circunstâncias de iniciativa”. Já, neste contexto, o trabalhador é alguém que trabalha, ou seja, que exerce uma determinada profissão ou ocupação. Desta definição depreende-se que todos os colaboradores são trabalhadores, mas que nem todos os trabalhadores são colaboradores. Arrisco-me até a dizer que, no mercado nacional atual, a grande maioria dos trabalhadores não são colaboradores, pois não estão em iguais circunstâncias de iniciativa – as empresas são ainda altamente hierarquizadas, com uma estrutura organizacional rígida, vertical e piramidal.
Para reforçar a minha ideia, trago-vos sinónimos das duas palavras: de um lado temos como exemplos parceiro, cúmplice e participante e do outro encontramos empregado, funcionário ou operário. Conseguem perceber quais são os sinónimos de cada uma delas? As primeiras correspondem ao colaborador e as segundas ao trabalhador. E parecem evocar sensações e até imagens mentais um pouco diferentes e distantes.
Por que motivo, então, parece existir esta moda de chamar todos os trabalhadores de colaboradores? Será uma forma de os motivar ou manipular? Será que a palavra que utilizamos não interessa assim tanto? Ou queremos só ser modernos sem mudar nada internamente?
Para mim a linguagem importa. E dá-me muita vontade de revirar os olhos quando ouço alguém a referir-se a um trabalhador por colaborador. Não sei se é pior quando vem do empregado ou do seu patrão, mas talvez tenha mais pena do primeiro e asco do segundo. Isto porque gosto pouco quando pintam ovelhas negras de cor-de-rosa: é só fantochada!
Proponho o sistema inverso: primeiro estabeleçam que, efetivamente, os trabalhadores estão em igualdade de circunstâncias de iniciativa e, depois sim, podem começar a utilizar a palavra colaborador – porque nesse caso já seria a terminologia correta.
Ou então, em alternativa, assumam a verdade. Não há mal nenhum em ter trabalhadores ou ser trabalhador, no verdadeiro sentido da palavra. Há muitas profissões, tarefas e funções em que as pessoas não têm, nem devem ou podem ter, igual circunstância de iniciativa, e está tudo bem com isso, desde que todas as partes assim o consintam, de forma livre e devidamente informada.
O que não vamos fazer é utilizar terminologia incorreta com o objetivo de passar uma imagem que não corresponde à verdade!
Numa coisa concordamos: o conceito de colaborador é, naturalmente, mais construtivo, moderno e traz mais benefícios. Pois um colaborador participa, opina, concorda e discorda, cria, propõe inovações, assume responsabilidade, etc. No fundo, acrescenta, traz riqueza e diversidade. E devia ser esse, na minha opinião, o objetivo e propósito da grande maioria das empresas nas suas contratações e, felizmente, temos evoluído positivamente nos últimos anos. Mas é facto que estamos ainda longe dessa realidade e muitas empresas não valorizam estes atributos e competências, ou sequer permitem que os seus trabalhadores desenvolvam espírito crítico.
Li num artigo que esta questão não é apenas linguística, mas de mudança comportamental – especificamente de cultura organizacional. E não poderia concordar mais com o seu autor. Posto isto, um último apelo: vamos chamar os bois pelos nomes e promover mais trabalhadores a verdadeiros colaboradores!
Inês Fonseca
Pintura de capa por Thomas Anshutz
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