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Há muito tempo que andamos todos obcecados com o QI, essa medida aparentemente sólida de tudo o que somos e valemos. Foi Alfred Binet que, no virar do século XX, resolveu inventar um teste para ajudar a identificar crianças que necessitavam de apoio extra nas escolas. Mas, ironicamente, esta ideia benigna rapidamente tomou proporções insuspeitas, graças a uma tendência perigosamente humana para medir, classificar e julgar. Mais tarde, David Wechsler, o psicólogo que melhorou e adaptou esses testes de inteligência, estabeleceu o conceito do quociente intelectual como o índice universal que todos conhecemos e com o qual, ainda hoje, nos obcecamos.

Ora, o QI promete uma coisa: dizer-nos quão inteligentes somos em relação ao resto da população. Mas uma coisa que o QI não nos diz e nunca nos disse é se somos capazes de lidar com a vida. É aqui que entra a inteligência emocional, a chamada QE – que só bem mais tarde entrou na arena, pelas mãos de Daniel Goleman, um jornalista e psicólogo norte-americano, que resolveu reavivar as ideias de outros, como Peter Salovey e John Mayer. O QE, dizia Goleman, era o verdadeiro preditor do sucesso, e não o QI, essa velha arma de arremesso intelectual. A inteligência emocional – a capacidade de reconhecer, gerir e utilizar emoções – era, segundo ele, aquilo que realmente fazia a diferença nos relacionamentos humanos e, logo, no mundo do trabalho.

E é fácil perceber porquê. Afinal, qualquer um de nós que tenha passado pelo mínimo contacto com colegas de trabalho, chefes, subordinados ou clientes, percebe rapidamente uma verdade: ninguém consegue avançar num emprego – pelo menos não de forma produtiva e duradoura – apenas por ser um génio. Aliás, não há nada pior do que um génio intragável, cheio de ideias brilhantes mas completamente insensível aos outros. No fundo, o QI pode fazer com que sejamos contratados, mas é o QE que nos mantém empregados.

A ironia é que o próprio Charles Darwin, o avô da teoria da evolução, já nos deixou uma pista clara sobre isto – muito antes de Wechsler, Goleman ou qualquer um dos outros.

Se a seleção natural se baseia na adaptação ao ambiente, é claro que a inteligência emocional representa uma adaptação bem mais robusta do que a inteligência racional pura.

Darwin sabia que a sobrevivência dependia, em grande parte, das relações sociais. As espécies que melhor se relacionavam, que sabiam responder com subtileza aos sinais emocionais dos outros, tinham mais probabilidades de sobreviver. A empatia, o reconhecimento de emoções e a capacidade de colaborar foram, e são, verdadeiras vantagens evolutivas.

Assim, é curioso como a sociedade moderna elevou o QI a uma espécie de medidor absoluto de valor, ignorando o óbvio: que a inteligência emocional é o verdadeiro motor da cooperação, logo, da sobrevivência.

Voltando a Goleman e ao QE, o que ele fez foi traduzir esta teoria evolutiva em termos de gestão e de carreira, e com razão. Afinal, uma empresa que não sabe entender o valor do QE nos seus funcionários é uma empresa que vai, mais cedo ou mais tarde, meter-se em apuros. Porque o que mantém as equipas a funcionar não é a genialidade dos membros individuais, mas a sua capacidade de trabalhar juntos, de resolver conflitos e de manter o ânimo, até em tempos difíceis.

Em última análise, o QE, por mais intangível que pareça, é algo que qualquer pessoa com bom senso percebe na prática. Um chefe que não sabe lidar com as emoções da sua equipa, que só responde à lógica fria dos números e das metas, cria um ambiente tóxico, e que gera tensão e desmotivação – de que serve o QI neste caso? A produtividade vai por água abaixo, os talentos abandonam o barco, e a organização afunda-se. No final de contas, somos mais as nossas emoções do que os nossos raciocínios. É uma lição que Darwin já sabia e que a neuropsicologia confirmou, mas que ainda relutamos em aceitar.

Portanto, da próxima vez que alguém vier falar dos seus pontos de QI como se fosse uma medalha de ouro, talvez seja melhor recordar-lhes que, na selva humana, não é o mais esperto que triunfa, mas o mais adaptável. E, no final de tudo, não há adaptação maior do que saber escutar o outro, ler as emoções do ambiente e ajustar-se a isso.

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