Censura à Solta: Quando as Palavras são Reféns do Poder

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Numa democracia, o livre acesso ao conhecimento e a diversidade de ideias são alicerces indispensáveis. A decisão do recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de proibir determinados livros traz à tona uma questão fundamental: até que ponto valorizamos realmente a liberdade de expressão e o papel central da literatura em sociedades livres? Esta medida não é apenas uma questão de controlo sobre o que se lê, mas sim um reflexo de uma tentativa de limitar o pensamento crítico e as perspetivas diversificadas que alimentam o tecido democrático.

A proibição de livros tem uma história longa e sombria, sendo uma prática comum em regimes totalitários que desejam controlar a narrativa e sufocar opiniões divergentes. A Coreia do Norte, por exemplo, é um dos casos contemporâneos mais extremos de censura, onde o governo decide, de forma absoluta, o que é permitido saber, ler e discutir. No regime norte-coreano, a censura é utilizada como ferramenta de opressão e manipulação, mantendo a população numa bolha de desinformação controlada. Seja na Alemanha nazi ou em outros regimes opressores do século XX, a queima e a proibição de livros sempre representaram um ataque direto à liberdade de pensamento. É perturbador ver esta prática a ressurgir numa nação que se apresenta como um dos bastiões da democracia mundial, país que historicamente sempre se apresentou como defensor da liberdade individual.

A justificação do governo Trump para a proibição, embora não declarada de forma clara, parece apoiar-se numa suposta proteção dos valores morais e culturais. Argumenta-se que alguns livros conteriam conteúdos “antipatrióticos” ou “contrários aos valores familiares”, uma ideia que, à primeira vista, poderia até parecer plausível para parte da sociedade conservadora. No entanto, analisada de perto, esta ação desencadeia um efeito perigoso: cria uma sociedade que vê apenas aquilo que o governo deseja, anulando o direito à diversidade de pensamento e ao questionamento.

Para além do conteúdo específico dos livros, o simples facto de um presidente ter o poder de proibir obras literárias é inquietante. O governo começa com a proibição de livros e, gradualmente, pode avançar para a restrição do que as pessoas leem, veem e ouvem. Este é um passo perigoso para qualquer democracia. Ademais, a ideia de que o governo pode determinar o que é “correto” para a sociedade ignora completamente a diversidade e as necessidades individuais de uma população heterogénea como a dos EUA.

Mais preocupante ainda é o impacto direto na educação. Escolas e bibliotecas desempenham um papel crucial na formação de cidadãos críticos, oferecendo aos jovens um espaço seguro para explorar ideias e questionar as suas próprias crenças. Com a proibição de certos livros, nega-se aos estudantes a oportunidade de confrontar diferentes pontos de vista, comprometendo a capacidade da próxima geração de questionar o mundo à sua volta e de desenvolver um pensamento autónomo.

Se a administração Trump está disposta a proibir livros, o que será que virá a seguir? Estarão filmes, músicas e até a internet a salvo de tentativas de controlo? Esta questão vai para além da simples proibição de publicações. Trata-se de um governo que parece não se contentar em governar, mas que deseja moldar mentalidades.

Se o governo começa a ditar o que deve ou não ser lido, ouvido ou visto, a sociedade corre o risco de se tornar passiva, conformada com uma realidade limitada e unilateral. Este é um alerta sério para todas as democracias: quando a liberdade de expressão começa a ser restringida, mesmo que inicialmente de forma subtil, abre-se um precedente perigoso que pode, eventualmente, minar a capacidade de uma nação para questionar, resistir e, acima de tudo, evoluir.

A literatura, ao longo dos séculos, tem sido um refúgio para os que se opõem à opressão, um meio de resistência silenciosa e um canal de diálogo com o passado, o presente e o futuro. Quando o governo começa a ditar o que podemos ou não ler, priva-nos da nossa herança cultural e intelectual. Não é apenas a proibição de alguns livros. É um ataque ao direito de ser livre.

A censura de livros e o controlo sobre a informação, num país como os Estados Unidos da América, têm repercussões profundas para a política mundial e para o paradigma democrático. Quando uma nação historicamente vista como defensora da liberdade e dos direitos humanos começa a restringir o acesso ao conhecimento, envia uma mensagem preocupante ao resto do mundo, normalizando práticas autoritárias e minando a confiança nas instituições democráticas. Este movimento inspira outros países a justificar políticas semelhantes, enfraquecendo a luta global pela liberdade de expressão e pela transparência governamental. Ao comprometer o direito dos cidadãos à informação plural e independente, a democracia transforma-se, de um modelo de participação livre e crítica, num sistema onde a realidade é moldada conforme os interesses governamentais, ameaçando assim os próprios fundamentos sobre os quais foi construída.

Por isso, é essencial que a sociedade americana – e a comunidade internacional – permaneça atenta e crítica. O pensamento livre não deve ser um privilégio de alguns, mas um direito de todos. Afinal, como tantos já disseram antes de nós: “Aqueles que queimam livros, mais cedo ou mais tarde, queimarão pessoas.”

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