A 11 de junho deste ano foi aprovada, com o apoio da direita, a proposta do CDS para que o 25 de novembro passasse a ser assinalado anualmente com comemorações na Assembleia da República, de forma semelhante ao que sucede com o 25 de abril. É neste cenário que o 25 de novembro volta a ser um tema central no debate público. Apesar de vermos os arautos desta data a proclamar repetidamente “25 de novembro sempre”, importa questionar o que aconteceu realmente, e quais as suas consequências reais na construção da nossa democracia.
O debate em torno do 25 de novembro constitui uma verdadeira guerra histórica em Portugal. Durante largos anos, esteve confinado aos setores mais conservadores da direita. No entanto, nos últimos tempos, partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal têm amplificado este tema, conseguindo, pela primeira vez, alcançar resultados concretos na casa da democracia – um avanço só foi alcançado, em boa medida, devido à estratégia de aproximação do PSD a posições mais alinhadas com setores da direita conservadora.
Vamos aos factos: com o 25 de abril, após 17.499 dias, a liberdade e a democracia foram consagradas em Portugal. Contudo, em vez de um período de estabilidade, o país mergulhou numa profunda agitação político-social. A guerra civil espreitava.
No novo organograma político, as diversas fações partidárias entraram em confronto. Este ambiente de tensão contribuiu para uma radicalização política e uma divisão da sociedade portuguesa que também se manifestou no interior do MFA, onde emergiram duas alas distintas: os moderados e os revolucionários.
Os sucessivos governos provisórios, liderados por Vasco Gonçalves, representaram uma aproximação à ala mais radical. Contudo, a fação moderada começou progressivamente a ganhar terreno, sustentando-se na legitimidade conferida pelos resultados das eleições para a Assembleia Constituinte, que consagraram uma expressiva vitória do PS, seguido pelo PPD, em detrimento da vitória modesta das forças revolucionárias mais à esquerda, onde se insere o PCP.
A partir desse momento, o PS liderou a oposição ao radicalismo revolucionário, protagonizando as lutas das forças moderadas. Não obstante, o poder político permaneceu amplamente nas mãos da ala mais radical do MFA, alinhada com o PCP, o que culminou na saída do PS e do PPD do IV Governo Provisório.
É este o contexto que leva ao apogeu da radicalização do processo revolucionário naquilo que ficou designado como Verão Quente de 1975, marcado por uma onda de manifestações massivas, assaltos a sedes partidárias, e ações armadas de cariz revolucionário. Porém, foi também neste cenário que surgiu o célebre Documento dos Nove, redigido em agosto de 1975 por um grupo de nove oficiais moderados do MFA. O documento não só criticava os setores mais radicais do Movimento das Forças Armadas como também propunha o seu afastamento, defendendo, simultaneamente, a construção de um projeto nacional, de transição para o socialismo.
A atuação das forças moderadas resultou na demissão de Vasco Gonçalves e na nomeação do moderado Pinheiro de Azevedo para liderar o VI Governo Provisório. Paralelamente, Vasco Lourenço foi designado para o comando da Região Militar de Lisboa, substituindo Otelo Saraiva de Carvalho, figura associada aos setores mais radicais – os quais sofreram um sério revés com tais alterações e, nesta conjuntura, intensificaram os confrontos políticos e a insubordinação militar.
A 24 de novembro, em defesa de Otelo, paraquedistas de Tancos e algumas forças do Comando Operacional do Continente (COPCON) tentaram desencadear um golpe militar. Porém, o movimento não passou de um aventureirismo militar desorganizado da extrema-esquerda militar. A falta de apoio direto de figuras centrais como Otelo e Álvaro Cunhal contribuiu para o fracasso da tentativa, permitindo que as forças moderadas, sob a liderança de Ramalho Eanes, controlassem rapidamente a situação.
O que importa reter do contragolpe de 25 de novembro é que, ao contrário da narrativa frequentemente promovida pela direita, este não significou a reposição da normalidade democrática nem o retorno à essência do 25 de abril. Pelo contrário, representou a vitória das forças que procuravam travar e derrotar o processo revolucionário, no qual o PCP desempenhava um papel central, mas não exclusivo.
Em termos práticos, o 25 de novembro marcou uma reformulação do organograma político e militar, onde o poder das urnas passou a prevalecer sobre a legitimidade revolucionária como fonte de legalidade política.
Ainda assim, não se deve classificar este evento como uma contrarrevolução, como argumentam alguns setores da direita. Apesar da mudança no rumo do processo político, o 25 de novembro foi resultado de uma contenção pactuada entre Álvaro Cunhal, do PCP, e Melo Antunes, do Grupo dos Nove. Cunhal, ao avaliar a situação, reconheceu o aventureirismo militar, que, sem um comando claro e com fraca mobilização civil, poderia conduzir a um conflito armado devastador para o campo revolucionário.
Deste modo, o PCP optou por desmobilizar as suas forças, uma decisão que, embora desfavorável ao prosseguimento da revolução, garantiu a preservação de elementos essenciais ao funcionamento democrático. Esta estratégia assegurou que não houvesse ilegalizações de partidos, encerramento de sindicatos ou suspensão de liberdades fundamentais.
Por outras palavras, a desmobilização promovida pelo PCP impediu o avanço de uma contrarrevolução, preservando a sua influência na futura vida democrática do país. O referido processo resultou na instauração de um novo equilíbrio político, do qual emergiu a Constituição de 1976 e, com ela, a consolidação do regime democrático tal como o conhecemos hoje.
Em última análise, o 25 de novembro evitou uma guerra civil. Contrariamente às perspetivas revisionistas que o apresentam como a derrota do comunismo ou da esquerda totalitária perante as forças da direita, vistas como as salvadoras de Portugal, o 25 de novembro representou, essencialmente, a derrota de um aventureirismo revolucionário ainda presente em alguns setores das forças armadas.
Posto isto, por que insiste a direita em celebrar o 25 de novembro? Esta pergunta ganha particular relevância num momento em que a extrema-direita cresce em várias partes do mundo, alimentando-se de medos e incertezas. Há uma tentativa de instrumentalizar essas inseguranças, transpondo-as para o campo da esquerda, numa narrativa simplista e desonesta. Assim, procura-se branquear e distorcer a história, normalizando a extrema-direita ao opô-la a uma alegada ditadura comunista, que, de forma errada e revisionista, se atribui ao período do PREC.
Por que não critica a direita os atentados às liberdades fundamentais praticados ao longo de quatro décadas pelo Estado Novo? Por que não apresenta o mesmo entusiasmo na defesa do 25 de abril, ato inaugural da democracia, como o faz com o 25 de novembro? A resposta é simples e óbvia: não querem fazê-lo… não querem celebrar… Por vezes, os silêncios podem assustar mais do que as palavras!
Mas será que o problema reside na celebração do 25 de novembro? Não está em causa a possibilidade de celebrar, mas sim a forma de a fundamentar. O 25 de novembro foi, sem dúvida, um marco importante para a consolidação da democracia e para a estabilização do sistema democrático que hoje conhecemos. No entanto, é essencial celebrá-lo com base nos factos históricos reais e não numa visão deturpada e revisionista que ignora a complexidade do processo revolucionário.
Independentemente das divisões ideológicas, devíamos estar unidos na defesa da democracia e das conquistas que o 25 de abril trouxe para Portugal: desde o SNS até ao ensino universal e gratuito, passando pelos direitos das mulheres e da comunidade queer. Após mais de 40 anos de ditadura, em que as forças da oposição, maioritariamente de esquerda, foram perseguidas, obrigadas ao exílio, presas e até mortas, é fulcral reconhecer que a resistência à ditadura tinha uma cor política. Esta constatação não deveria ameaçar os ideais políticos de ninguém, mas sim unir-nos para projetar um futuro democrático.
Acima de tudo, não podemos esquecer que o 25 de novembro só foi possível graças ao 25 de abril, à democracia.
Imagem de capa por: Rob Mieremet / Anefo
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