Engane-se quem acha que nesta fase da era digital e da globalização da informação as pessoas conseguem ter pensamento crítico e formar uma opinião consoante aquilo que ouvem ou, pelo menos, manterem-se caladas quando não sabem o suficiente, o que é uma grande virtude, permitam-me a opinião.
Aquilo que mais me pergunto quando leio certos artigos de opinião é: de quantos ‘TikToks’ e criadores de conteúdo ouviu este autor ou esta autora sobre este assunto, até à criação destes quatro parágrafos? Confrontou-se com alguém que tenha uma opinião diferente? De facto, este último, é dificultado pelos algoritmos das redes sociais, que estão construídos para nós gostarmos do que estamos a ouvir. Porém, pegar num assunto polarizante e apresentar uma posição exatamente igual à de um nicho, grande parte das vezes com um discurso de vítima, não é uma opinião, ou, pelo menos, não uma original.
Nem tudo é preto e branco, mas, ultimamente, querem forçar a que o seja. Assim que se adiciona uma vírgula ou que se apresenta uma ideia diferente, mas sobre um mesmo tema, o objetivo já não é do bem, e a pessoa é vil. Há um espectro de cores e de possibilidades para abordar um assunto, mas se até o cinzento é cancelado, o mais seguro é mesmo copiar e colar a opinião branca ou preta. Como disse Daniela Ruah no ‘podcast’ Geração 801, antes ainda era possível duas pessoas que votaram em polos opostos numa eleição levar aquilo com leviandade. Agora, se a discussão é política, social ou outra, parece que é preciso cortar relações da forma mais abrupta, numa guerra até à morte, em que quem ganha espeta o seu estandarte num monte cheio de nada coberto pelo sangue do inimigo.
Ironias à parte, acabam por matar qualquer ideia genial e qualquer possibilidade de compromisso entre dois polos opostos. Como é óbvio, há posições intolerantes que não se podem aceitar, mas há formas e formas de abordar o assunto. O problema é que alguns reis da ética rotulam logo como erróneo o que lhes é apresentado como um contra-argumento. Isto faz com que, para quem não questiona ou tenta entender o contra-argumento, as ideias que viram inicialmente sejam simples e geniais para a resolução de todos os problemas da sociedade. Das duas, uma: ou não questionam e nem sequer lhes passa pela cabeça o fazer, porque há um raciocínio que parece imbatível, ou até se sentem mal em ver outra justificação, não vá o diabo tecê-las, e concordar, correndo o risco de serem canceladas pelos reis da ética. Estes todo-poderosos sabichões, no fundo, têm um complexo de inferioridade muito grande e sentem-se pessoalmente atacados por qualquer contradição.
Vou dar um único exemplo: no último artigo falo da forma como escrutinamos o corpo da mulher e o quanto ainda somos vítimas do patriarcado nesse sentido. Porém, não me vou queixar de ter brincado com nenucos e barbies, de usar rosa ou de me impingirem a maternidade como não fizeram ao meu primo. Sou uma mulher livre para escolher e também para perceber que há valor na maternidade e em educarem-me para essa possibilidade. Assim como há valor na feminidade, como há valor em cuidar e amar, tal e qual como há valor em ter uma carreira e seguir sonhos profissionais. Pensem, vejam o outro lado da moeda, e depois escrevam. É hilariante começar a ler certos artigos e já saber como acabam, porém, a piada perde-se ao pensar nas consequências.
- Balsemão, F. P. (Anfintrião). (2024, 11 de abril). Daniela Ruah:”Tornei-me uma figura pública aos 16 anos, depois dos Jardins Proibidos, e nunca me deslumbrei. Nos EUA a fama já fazia parte do dia-a-dia” (N.º 10) [Episódio de podcast áudio]. In Geração 80. SIC Notícias. https://sicnoticias.pt/podcasts/geracao-80/2024-04-11-Tornei-me-uma-figura-publica-aos-16-anos-depois-dos-Jardins-Proibidos-e-nunca-me-deslumbrei.-Nos-EUA-a-fama-ja-fazia-parte-do-dia-a-dia-3aa994da ↩︎
Pintura de capa por Joos van Craesbeeck
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