As condições estão reunidas para um junho com cerveja esgotada. Futebol, bebida e o orgulho de representar o país são, certamente, os principais ingredientes para a festa que é o campeonato europeu. No entanto, há algo maior que tudo o que seja jogadores. Muitos falam da importância que o fator casa tem e a influência do mesmo nos resultados e no desenvolvimento dos torneios. Mas eu acredito em maldições. Gosto de história, gosto de drama. Neste artigo, trago a praga de 1984.
Na antepenúltima edição que viu presente o antigo logo do europeu de futebol (e o meu ainda preferido), vimos, em 1984, França receber o mais icónico e grandioso torneio europeu a nível de seleções. Liderados por Michel Platini, que foi o melhor marcador da competição, com nove golos, os Les Blues ultrapassaram confortavelmente a fase de grupos, só com vitórias e, na meia-final, encontraram-se com uma forte seleção portuguesa, que viu o ícone marcar o golo que derrotou a seleção das quinas. A final, no icónico Parc des Princes, foi decidida, mais uma vez, pelo agora ex-presidente da UEFA, marcando para adiantar os franceses na partida, com Bellone a matar o jogo e a segurar o troféu europeu em casa, nos anfitriões. Depois deste torneio, nada mais foi o mesmo.
A vitória1 dos Les Blues em Paris, em 1984, foi a última vez que uma nação anfitriã venceu a competição das elites europeias. Entre 1988 e 2000, foram realizados quatro torneios que viram a nação da casa ser eliminada nas semifinais. Falo da Alemanha Ocidental (1988), da Suécia (1992), da Bélgica e dos Países Baixos (2000, organização conjunta), e da grande Inglaterra de Alan Shearer e Teddy Sheringam (1996). Curiosamente, o atual treinador dos Três Leões, Gareth Southgate, falhou um penálti nesse desempate das meias-finais com os bávaros.
Em 2004, os portugueses sonharam até ao último alarme em quebrar a maldição. Tudo pareceu encaminhado para Portugal se sagrar campeão europeu em solo nacional. Depois de vencer a fase de grupos confortavelmente, a seleção das quinas eliminou aqueles que eram os dois principais concorrentes ao troféu, Inglaterra e Países Baixos, nos quartos e nas semifinais, respetivamente. O primeiro jogo ficou marcado pelas decisões nas grandes penalidades2. Ricardo, num gesto intimidante, removeu as luvas no sexto penálti inglês e, logo de seguida, defendeu a grande penalidade de Darius Vassel, mantendo o 5-5. Como se não tivesse sido épico o suficiente, Ricardo ainda foi bater a grande penalidade que colocou Portugal no pedestal para vencer o seu primeiro europeu de nações. No segundo, contra a antiga equipa conhecida como Holanda, Maniche resolveu com um golaço inesquecível. Toda a situação era perfeita. Perfeita demais até. Uma festa enorme foi feita na preparação para o jogo. Honestamente, parecia que Portugal já tinha vencido a competição ainda antes da partida. Pagámos bem caro pelas celebrações prematuras naquele que foi o único remate à baliza por parte dos gregos3. E não sofremos só o golo. Sofremos durante anos. Ainda está bem marcado nas nossas memórias.
Os anos de 2008 e 2012 viram os seus quatro anfitriões não passarem os respetivos grupos (Áustria/Suíça em 2008 e Polónia/Ucrânia em 2012), enquanto 2020 acabou por ter vários organizadores, mas, mesmo assim, ainda tivemos oportunidade de assistir à Inglaterra vendo os italianos levantarem o troféu após vencerem por três dois nas grandes penalidades. Em Wembley. ‘It was not coming home‘. Com Gareth Southgate como treinador. Diria que é difícil contrariar a história. Mais uma vez, a praga de 84 atacou.
Em 2016, tornámo-nos gigantes. O nosso primeiro grande troféu. E que forma de vencê-lo! Tudo pareceu um excerto de um best-seller. A forma como Cristiano Ronaldo tenta continuar, mas não tem condições. A exibição de Rui Patrício. O mata-leão de Quaresma. A entrada de Éder. Lembro-me que ninguém acreditava nele. Nem eu. E paguei caro, no bom sentido.
Agora, queremos mais. E sabemos que este querer é justificado. Entendo a facilidade com que se cobre todo o mediatismo à volta das escolhas do técnico espanhol, mas, no final do dia, a predileção é de Roberto Martinez, e creio que devemos respeitar. Fizemos uma fase de qualificação perfeita, com dez vitórias em dez jogos. Apenas dois golos sofridos confirmaram-nos como a melhor defesa desta fase, sendo que acabámos, inclusive, com mais sete golos marcados que a segunda melhor de todas, a França.
No entanto, não nos deixemos iludir. Há que ser sempre realista. Não tivemos o grupo mais complicado, verdade, e, parecendo que não, ainda atravessamos a fase de transição para um futuro Portugal sem Cristiano Ronaldo, que deve marcar presença naquela que é, provavelmente, a última competição internacional pela seleção.
Olhando analiticamente para o nosso grupo no Euro 2024, creio que temos todas as condições para ultrapassar os três adversários que vamos encontrar, se mostrarmos a mesma qualidade da fase de qualificação. Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Rúben Dias, Vitinha e Palhinha são alguns dos que vêm em ótima forma para o verão e que vão, certamente, ter impacto no desempenho dos escolhidos por Roberto Martínez. A verdadeira pergunta é se estamos à altura dos outros grandes titãs da Europa. Eu diria que, acima de nós, estão apenas França e Inglaterra. A Alemanha tem, a seu favor, o fator casa a que me referi inicialmente, mas creio que o plantel português tenha mais experiência.
A verdade é que, de acordo com a história, há sempre coisas certas. A primeira é que Inglaterra não ganha. Essa é segura. A segunda é que, como mencionei, desde 1984, o anfitrião também não vai ganhar. Portanto, ‘Germany is out’. A praga está viva. Só sobra a França. Das últimas quatro vezes, pendeu para cada um dos lados. Perdemos em 1984, 2000 e 2006; vingámo-nos em 2016, numa final. E podíamos vingar-nos novamente. Só para ficarem as contas acertadas.
- Zerozero. https://www.zerozero.pt/edicao/euro-1984/50 ↩︎
- The Guardian. https://www.theguardian.com/football/2004/jun/24/minutebyminute.sport ↩︎
- Uefa. https://www.uefa.com/uefaeuro/match/79185–portugal-vs-greece/ ↩︎
Imagem de capa: Kürschner, sobre licença Creative Commons
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