Contextualização
Em plena confeção de um wrap vegetariano, concomitante com a escuta de um audiobook sobre Política Clássica e Moderna, vi pela primeira vez a notícia da greve dos professores. Platão a gritar-me ao ouvido esquerdo e o coordenador do STOP a gritar-me ao direito. Penso que se iam dar bem.
A luta
A luta dos professores toca-nos de forma diferente. São os fornecedores daquilo que só a amnésia nos pode tirar – o conhecimento. Das profissões mais responsáveis pelas mutações do nosso ADN. Uma das maiores armas do século XXI. Entranhada na nossa história, onde ensinar a caçar um veado foi gradualmente trocado pelos Lusíadas (é difícil não parecer satírico com a última expressão, mas apenas referi um facto histórico). Quem seríamos se as grandes mentes da Humanidade não ensinassem as suas doutrinas?
Em 2023, com o planeta aos ombros, quem estará pior servido: os professores; ou Atlas, o Titã que recebeu o castigo de carregar o mundo aos ombros após liderar os Titãs contra os Deuses do Olimpo? Eu escolho o Atlas, mas apenas porque não tem nem escapatória nem louvor. Os professores, por sua vez, podem lutar pela escapatória e pela recuperação do louvor perdido. Aliás, a escapatória está no louvor!
Não sendo este o escopo do artigo, permitam-me o mergulho: a guerra pelo louvor trava-se noutra arena e com gladiadores diferentes – o respeito pelo conhecimento e a sua transmissão está atualmente em assalto por parte da tolerância de todas as opiniões – Sócrates vs. os Sofistas, relatividade vs. verdade absoluta, politicamente correto vs. autenticidade fria – transpusémos o “tudo é questionável” para o “nada é verdade”. Se existir verdade absoluta, vai ser um caminho penoso até ela.
Platão vs. André Pestana
Platão (um dos alunos mais conhecidos de sempre), defendeu que apenas o filósofo pode comandar o navio. O governo deve ser apenas composto pelos mais qualificados, não-corrompidos pelo poder – quem possui conhecimento, e não opinião. E quem fornece o conhecimento? Pois… Aí viria o primeiro e último sorriso entre Platão e André Pestana.
No entanto, a luta dos professores iria agradar a Platão de igual forma à greve dos enfermeiros: porque são profissões essenciais ao funcionamento da sociedade. Mas terminaria aí. Platão descreve quatro estados do desenvolvimento intelectual, desde a opinião mais elementar ao mais alto empreendimento filosófico: 1) pensamento não-crítico e não-racional, a pessoa que aceita tudo sem questionar; 2) existe o início da crítica à sociedade, onde se questionam as crenças impostas pela mesma; 3) avançamos da opinião para o conhecimento; 4) começamos a questionar a humanidade e a reconhecemo-nos nela. Em nenhum destes estados é mencionado a relação entre a idade e o conhecimento – o mesmo não acontece com a progressão de carreira dos professores. A antiguidade, para Platão, não é nem nunca poderá ser um posto. A passagem pelos 4 estados de Platão não é automática dada a idade do filósofo, mas sim a caminhar pelas brasas do pensamento crítico. O mérito é a medida. Pois… Aqui viria o franzir de sobrancelha entre Platão e André Pestana.
Platão conquista-me neste ponto. Os professores merecem louvor. No entanto, ninguém merece louvor automático apenas por pertencer a um determinado grupo. Não numa sociedade onde o verdadeiro mérito é rei.
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